O Tribunal de Justiça do Paraná (TJ-PR) determinou, nesta segunda-feira (16), a reintegração de posse de uma das áreas de conflito entre a Araupel e o Movimento dos Trabalhadores Sem Terra (MST), entre os municípios de Rio Bonito do Iguaçu e Nova Laranjeiras, na região Centro-Sul do Paraná. Na decisão, o órgão estabeleceu um prazo de 60 dias para que o estado cumpra a ordem e pagamento de multa diária de R$ 5 mil em caso de descumprimento.
INFOGRÁFICO: iba onde ficam os assentamentos e os acampamentos do MST que envolvem a Araupel
A decisão, proferida pelo Órgão Especial do TJ, ocorreu sobre um recurso apresentado pelo estado do Paraná, que alega não haver condições logísticas e econômicas para cumprir a ordem judicial. O governo aponta que, conforme estudo de operação, seriam necessários 8 mil policiais militares – 40% do efetivo total do estado – e gasto de cerca de R$ 4,3 milhões para efetivar a operação, com estimativa de duração de três dias.
Leandro Salomão, um dos advogados da Araupel, confirmou a sentença do Tribunal de Justiça do Paraná, mas afirmou que, na área, há apenas entre 300 e 400 acampados. Ele diz que não há mais possibilidade de o Estado recorrer sobre a parte da decisão que trata da reintegração de posse, apenas pode contestar o valor da multa. Eduardo Giacometti, sócio da Araupel, comemorou a sentença. “A fazenda é nossa, deturparam a posse dela”, disse.
Já o advogado do MST, Camilo da Silva, afirma que há possibilidade de recurso por parte do Estado e que, inclusive, existem decisões judiciais anteriores em casos parecidos no sentido de que “o governador não pode ser obrigado a cumprir a reintegração caso seja logisticamente e humanamente impossível”. Além disso, ele aponta que, por ser uma área de grande conflito, o “estado do Paraná certamente recorrerá e derrubará a decisão”.
O assessor especial para Assuntos Fundiários do governo do Paraná Hamilton Serighelli afirma que está em curso uma tentativa de acordo entre Araupel e MST e que, enquanto não se resolver a questão da posse, há uma tentativa de “convivência pacífica” entre as partes envolvidas, incluindo o estado. “Ali, a questão não é de força. Devemos ter um bom acordo e comunicar o TJ para resolver toda a questão sem machucar ninguém”, diz.
Segundo a Secretaria de Segurança Pública, a “questão está sendo discutida judicialmente pelo órgão competente no Estado, a PGE. Não cabe à Sesp, neste momento, comentar decisão judicial”.
Em nota, a Procuradoria-Geral do Estado disse que “aguarda a lavratura do acórdão para tomar as medidas cabíveis.”
O acampamento Herdeiros da Luta é o maior do Paraná, com cerca de 2 mil famílias. A área foi tomada pelo MST em maio de 2014 e faz parte da região de Pinhal Ralo, uma das duas em conflito – dentro da qual também há dois assentamentos. O outro acampamento, denominado Dom Tomás Balduíno, na região de Rio das Cobras, é reivindicada pelo Incra. Nesta área, no mês passado, dois trabalhadores sem-terra morreram em confronto com a Polícia Militar.
Conforme consulta ao processo no site do TJ, a juíza Luciana Torres, da comarca de Laranjeiras do Sul, já havia determinado o interdito proibitório (mecanismo de defesa da posse) para a Araupel em 2014. Mesmo assim, logo depois, ocorreu a invasão da área. Houve, então, uma liminar para reintegração de posse, que não foi cumprida pela promessa do Incra em indicar um lugar para acomodar os invasores – o que não ocorreu mesmo depois de um ano.
Ainda segundo a ação, depois disso, a magistrada determinou a intimação do secretário de Segurança Pública e do governador do estado para que procedessem a reintegração em no máximo 15 dias, sob pena de multa diária de R$ 50 mil. O estado, então, recorreu da decisão, apreciada agora pelo TJ, que manteve a liminar, mas aumentou o prazo para cumprimento da ordem para 60 dias e diminuiu o valor da multa para R$ 5 mil diários.
Críticas
Antes de decidir pela reintegração de posse da Araupel, os desembargadores que compõem o Órgão Especial do TJ discutiram a questão por quase duas horas. Eles demonstraram preocupação sobre a situação da região e teceram críticas aos integrantes do MST. “Viramos reféns desses movimentos, mas isso tem que acabar”, observou D’Artagnan Serpa Sá, que sugeriu a convocação de força nacional para cumprimento da ordem judicial.
Alguns magistrados ressaltaram que os juízes da região estão amedrontados e que é preciso cumprir a decisão para demonstrar fortalecimento do Judiciário e respeito às leis. “Minha maior preocupação é sobre o colega que está na comarca, é ele que está inseguro, é esse que precisa de uma decisão forte do tribunal. Se a gente fechar os olhos para essa situação, estamos apagando as luzes do Judiciário”, disse Wellington Coimbra de Moura.
Alguns magistrados também apontaram que o descumprimento da reintegração representa “crime de desobediência” pelo estado e que se trata de uma questão “política”. “Deixar para eles [estado] cumprirem a hora que quiserem é a mesma coisa que um cheque sem fundo”, afirmou Jorge de Oliveira Vargas. “É uma questão política, mantida e alimentada pelos políticos e isso ainda vai longe. Se judicializou, vamos resolver”, afirmou José Augusto Aniceto.
Já o desembargador Telmo Cherem votou contrariamente à maioria, afirmando que a situação se arrasta há muitos anos e que “ao estado que se chegou, não se resolve do dia para a noite”. Clayton Camargo foi mais duro nas colocações. “Estamos falando de bandidos, não de assentados, e não interessa quantos são, porque de algum lugar eles saíram antes de chegar ali”, afirmou. “Fico nervoso, apoplético. Quando se falou em bandido aqui, há que se concordar”, disse o desembargador Iraja Romeo Hilgenberg Prestes Mattar.
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