Acampamento de agricultores sem-terra, em Ponta Grossa: líder do MST nega que membros do movimento vendam os lotes recebidos| Foto: Henry Milleo/Gazeta do Povo

Pré-assentamento - Sem controle dos informais

Nos assentamentos, o Incra deve fiscalizar para evitar irregularidades. Nos pré-assentamentos, espaços ainda não formalizados pelo órgão, a especulação imobiliária é praticamente incontrolável. Nesse caso, quem vende terras nos espaços estão, de certa maneira, à margem da lei, porque as punições previstas na legislação dizem respeito aos assentamentos. "Esses casos são apreciados para saber quem lesou. Com relação à venda de terras nesses locais, o título não foi outorgado, não há muito a ser feito", explica o procurador da República em Paranavaí, Gustavo de Carvalho Guadanhin.

Na prática, a negociação desses lotes é semelhante à venda de terrenos em invasões – nas cidades ou no campo. Não há garantia de que, caso o espaço seja regularizado, as pessoas ocupantes serão os novos donos da área. E, por esse motivo, logo se torna o local perfeito para a realização desse tipo de golpe. Em geral, os órgãos públicos seguem uma lista para assentar os interessados em ter uma terra. "Quem compra nos pré-assentamentos será desconsiderado ou tratado como invasor", diz Guadanhin.

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Um mutirão de regularização de lotes da reforma agrária pode diminuir em 30% o número de famílias acampadas no Paraná, que são cerca de 6 mil. Iniciado em junho na região Noroeste do estado, o projeto do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) vistoriou 611 lotes e encontrou 55 falhas por venda ilegal e arrendamento (ceder a exploração da área). Até o fim de setembro, o órgão estima encontrar pelo menos os mesmos 9% de ilegalidades entre as 20 mil famílias assentadas no estado, abrindo chance de abrigar 1,8 mil famílias carentes nesses locais. Quem for flagrado envolvido em venda irregular de lotes pode ser preso, segundo o Código Penal.

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Conforme o Artigo 189 da Constituição Federal, o título de domínio do terreno é inegociável por dez anos – os assentados têm, na realidade, a concessão de uso da terra. O prazo, contudo, pode ser negociado, pois cada família deve quitar o título do Incra, que é pago normalmente em dez anos. Ou seja, o período pode ser abreviado. "Nós fizemos uma campanha assim em 2003 e retomamos neste momento. Temos a intenção de ter tolerância zero nessa questão", explica Nilton Bezerra Guedes, superintendente do Incra/PR. Em 2003, o índice de irregularidades encontradas ficou em 20% – mais que o dobro do porcentual atual.

Dessa maneira, o Incra concilia o combate às irregularidades com a possibilidade de diminuir o índice de pessoas aguardando a reforma agrária em acampamentos no estado. "Só na região No­­roeste, vamos abrir 55 lotes para famílias acampadas. No caso da venda irregular, a pessoa que comprou não vai assumi-lo para que não haja legitimação da posse ilegal", esclarece Guedes. O membro da Coordenação Estadual do Movimento dos Sem-Terra (MST) José Damasceno não considera o trabalho como reforma agrária. "Isso não vai alterar o quadro fundiário porque se trata de correção de erros no assentamento. Desapropriar novas áreas é essencial", avalia Damasceno.

Pela dificuldade logística em realizar fiscalizações contínuas no estado, o Incra espera contar com a colaboração dos assentados para coibir ilegalidades. Um supervisor do órgão será responsável por cerca de mil famílias e comissões serão formadas nos assentamentos.

Os membros do MST, segundo Damasceno, não vendem lotes por ferir a orientação política do movimento. "Mais de 90% dos casos não são ligados ao MST, porque a venda de lotes desmoraliza a reforma agrária e a transforma em uma questão comercial, o que não aprovamos."

Os assentados irregulares têm até 15 de julho para apresentar defesa. Todos os recursos serão analisados. "Após a análise, nos casos improcedentes, vamos realizar a reintegração de posse", explica Guedes. Os responsáveis pelas irregularidades podem ser indiciados pelo Ministério Público Federal (MPF) e ficam proibidos de ingressar no sistema do Incra em qualquer localidade do país.

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Índice baixo

O porcentual de 9% em lotes irregulares está abaixo da média brasileira e do próprio Paraná. Em geral, o índice encontrado beira os 20%. O último levantamento realizado pelo Incra, em 2003, indicou o porcentual e, na maior parte dos estados, o número se repete. Observando pelo prisma otimista, os 9% também representam que 91% dos assentados permanecem plantando e sobrevivendo no campo. "Pela política agrícola do governo, a baixa prioridade da reforma agrária, nós também consideramos o porcentual baixo", diz José Damasceno, membro da coordenação estadual do MST.

O professor de Sociologia da Universidade Federal do Paraná Osvaldo Heller da Silva afirma que a reforma agrária deve ser levada em conta para oferecer emprego e renda à população, com benefícios sentidos nas próprias cidades. "É mais viável fazer isso que expulsar as pessoas do campo e querer criar vagas no comércio e serviços na cidade. Além de manter a população equilibrada, sob o ponto de vista demográfico", diz.