Três anos depois da tragédia que matou 242 pessoas na Boate Kiss, em Santa Maria, no Rio Grande do Sul, a Justiça brasileira ainda não conseguiu apontar culpados ou puni-los nem determinar indenizações às famílias de jovens mortos e às vítimas sobreviventes. Na madrugada do dia 27 de janeiro de 2013, um incêndio na boate, causado por um artefato pirotécnico usado pelos músicos da banda que se apresentavam no local, chocou o Brasil com a morte de centenas de jovens, a maioria com menos de 25 anos.
Até o momento, os processos em fase mais avançada são os que tramitam contra os bombeiros Alex da Rocha Camilo, Daniel da Silva Adriano e Moisés da Silva Fuchs. Em dezembro do ano passado, o Tribunal de Justiça Militar do Rio Grande do Sul aumentou as penas pelas quais Moisés Fuchs e Alex Camilo tinham sido condenados na Justiça de Santa Maria. E ainda reverteu a absolvição de Daniel da Silva Adriano em condenação a 2 anos e 6 meses de reclusão.
Fuchs era o comandante do Corpo de Bombeiros de Santa Maria e teve a sentença inicial de 1 ano de prisão aumentada para 4 anos e 5 meses. Ele é acusado de prevaricação (deixar de cumprir deveres da função) por não ter punido um subordinado que administrava uma empresa de prevenção a incêndios e fez obras na Kiss, o que é proibido pela corporação. Além disso, como comandante, ele foi responsabilizado pela emissão dos alvarás de funcionamento da boate.
Daniel Adriano foi condenado pela emissão do primeiro alvará de funcionamento da boate, em 2009, e Alex Camilo pela emissão do segundo, em 2011. Em ambos os casos a Justiça entendeu que os alvarás não poderiam ter sido emitidos já que se tratava de um local de risco em que não havia plano de incêndio, rotas de fuga, sinalização de saída ou saídas de emergência e janelas para ventilação.
A condenação e o aumento das penas dos três militares, no entanto, ainda não significam punição. Os bombeiros podem apresentar embargos no próprio Tribunal Militar e recorrer ao Superior Tribunal de Justiça e até ao Supremo Tribunal Federal alegando questões de fundo constitucional em suas condenações. Eles permanecem em liberdade.
Na esfera criminal, os processos estão em fases ainda mais iniciais. Os sócios da Boate Kiss, Eissandro Callegaro Spohr e Mauro Londero Hoffmann, e os dois músicos da banda Gurizada Fandangueira que foram responsáveis pelo uso do artefato pirotécnico que deu início ao incêndio, Luciano Augusto Bonilha Leão e Marcelo de Jesus dos Santos, são acusados de homicídio qualificado por motivo torpe.
O processo teve a fase de instrução encerrada e desde o dia 21 deste mês começou a contar o prazo de 30 dias para a acusação e 60 dias para a defesa apresentarem alegações finais. Depois disso, o juiz decidirá entre quatro opções: enviar o caso a júri popular, impronunciar (considerar que não houve crime ou indício de autoria), absolver os acusados ou desclassificar a infração (julgamento monocrático por considerar que não houve crime de competência do Tribunal do Júri).
Há ainda uma ação civil coletiva indenizatória ajuizada pela Associação das Vítimas da Tragédia de Santa Maria e pela Defensoria Pública do Rio Grande do Sul tramitando na comarca de Santa Maria. Centenas de ações indenizatórias individuais movidas por pessoas afetadas pela tragédia também aguardam decisão judicial.
Até o momento, no entanto, os parentes dos jovens mortos e os sobreviventes não contam com assistência por parte dos acusados de terem causado o incêndio, segundo o presidente da associação, Sérgio da Silva.
De acordo com ele, a organização ajuda a intermediar assistência médica e psicológica nos serviços públicos de saúde e tem convênio com uma rede de farmácias para que alguns medicamentos sejam fornecidos a preços mais baixos. “Eu tomo remédios, a maioria dos pais toma, e cada um compra do próprio bolso”, diz Silva, que perdeu um filho de 20 anos no incêndio.
“É um abandono total, um desolamento total. Alguns [pais e vítimas] sumiram, outros procuram ajuda, tomam medicação para depressão. Uma mãe que nos ajudava na associação morreu recentemente. Ela tinha perdido os dois filhos adolescentes no incêndio e tinha depressão. Ficou doente e em sete dias morreu, se entregou”, conta.
Depois de três anos de espera, o presidente da associação de vítimas se diz descrente a respeito da conclusão dos processos judiciais. “Vou morrer e não vou ver nada disso”, afirma Silva que corre o risco de ser condenado antes, por calúnia, em um processo movido pelo promotor do caso, Ricardo Lozza.
Sérgio da Silva e outros dirigentes de entidades ligadas às vítimas da tragédia são acusados de terem espalhado cartazes pela cidade acusando Lozza de prevaricação depois de se recusarem a fazer acordo na primeira proposta apresentada pelo Ministério Público.
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