É máxima entre educadores que para colher frutos no ensino de um país é preciso implementar políticas de longo prazo. No entanto, a troca constante de ministros na área indica que a realidade brasileira vai na contramão, criticam especialistas. Desde a redemocratização do país, há 30 anos, o Brasil teve 16 pessoas conduzindo o Ministério da Educação (MEC). Média de menos de dois anos para cada. Só no governo Dilma Rousseff (PT), cujo slogan do segundo mandato é “Pátria Educadora”, com a demissão de Renato Janine Ribeiro, na quarta-feira (30), houve cinco trocas em menos de cinco anos. Aloizio Mercadante, que ocupou o cargo de 2012 a 2014, está de volta à pasta. Ele será o terceiro ministro da Educação só em 2015.
Desde 1985, quando José Sarney assumiu a Presidência, entre os cinco ministros que permaneceram menos tempo no MEC, três foram do governo Dilma: Cid Gomes, que ficou dois meses e meio, Janine com menos de seis meses, e Henrique Paim, que durou cerca de um ano. Da galeria de ministros, o único que conseguiu ter uma passagem ainda mais breve foi Eraldo Tinoco Melo, que comandou o MEC por menos de dois meses antes do impeachment de Fernando Collor.
Dilma define nova estrutura de governo e ‘enxuga’ ministérios
Leia a matéria completaA preocupação é com políticas públicas que podem ser afetadas devido ao troca-troca. Atualmente, especialistas se mostram temerosos em relação a medidas em elaboração, como a Base Nacional Comum — que unifica o conteúdo a ser ensinado nas escolas brasileiras —, o Plano Nacional de Educação (PNE) e investimentos em pós-graduação.
À frente da Associação Nacional de Pós-graduação e Pesquisa em Educação (Anped), Maria Margarida Machado criticou a constante mudança de ministros. Ela teme que a substituição de Janine interrompa a rodada de negociações para a liberação de recursos. A área foi uma das mais afetadas pelos cortes de gastos feitos pelo governo desde o início do ano.
“Perdemos mais uma vez com essa descontinuidade. Vamos ter que aguardar o posicionamento da nova equipe. O que preocupa quando há uma troca é a demora para que aquilo que estava em andamento seja retomado. No caso da pós, de julho para cá conseguimos a liberação de 25% do recurso de custeio e de verbas referentes a programas. Essa negociação não pode ser interrompida”, comenta Maria Margarida.
Os quase seis meses de Janine à frente do ministério foram marcados por problemas em programas que são vitrine da presidente Dilma. O ministro anunciou medidas impopulares, como o aumento da taxa de juros do Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) e a diminuição do prazo para pagamento do crédito estudantil. Houve atrasos sistemáticos nos repasses do Pronatec às instituições que dão cursos do programa e o anúncio de apenas 1,3 milhão de vagas para este ano, o equivalente a 43% do que foi ofertado em 2014. O programa Ciência sem Fronteiras também foi esvaziado, e ainda não há previsão de vagas para 2016. As greves em boa parte das 63 universidades federais têm sido outro problema para o MEC.
Coordenador da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, Daniel Cara destacou a importância de se colocar o Plano Nacional da Educação (PNE), que estabelece 20 metas a serem alcançadas até 2024, no centro da política do governo, o que, segundo ele, até agora não aconteceu.
“Para que as políticas tenham continuidade, a estabilidade do ministério é da maior importância. Precisamos ter clareza sobre quem são os atores da área”, afirma o educador, que dá conselhos ao novo titular da pasta: “Janine não teve força para enfrentar os ajustes. O importante é que o próximo ministro tenha poder de frear os cortes. Mercadante tem mais força que Janine. Ele é um político com algum trânsito dentro do governo, Janine não tinha. O que preocupa é que ele ainda não transmitiu que tem o PNE como referência, como política educacional a ser seguida”.
Segundo Cara, que atuou pela aprovação do PNE no Congresso, ano passado, o plano não sobrevive nessa realidade de ajuste fiscal. “Não vejo disposição e instrumento orçamentário capazes de fazer essa confrontação hoje, o que está posto é a inviabilização do PNE”.
Segundo o presidente do Conselho Nacional de Secretários de Educação (Consed), Eduardo Deschamps, as mudanças no MEC podem ter impacto sobre eixos centrais da educação básica. Ele demonstra especial preocupação com a Base Curricular Comum, cuja proposta inicial foi divulgada pelo MEC em meados de setembro.
“Nunca é bom que haja tantas mudanças. Nossa maior preocupação é que projetos como Base Nacional Comum sejam descontinuados”, ressalta Deschamps, antes de ponderar: “Mas também temos que entender que essas medidas, às vezes, são necessárias”.
Coordenadora do movimento Todos Pela Educação, Alejandra Meraz Velasco faz coro com a questão da Base Comum. Segundo ela, as trocas também podem refletir sobre articulações que vinham sendo construídas em função de programas e projetos importantes.
“Irmos para o terceiro ministro em um ano traz um enorme prejuízo à educação. A estabilidade é fundamental para o sucesso das políticas públicas”, pontua. “Não digo que a articulação da Base Nacional Comum terá recomeçar do zero, mas quando há uma troca de ministro, algo que já havia sido iniciado precisa ser revisitado”.
O pró-reitor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) e membro da Academia Brasileira de Educação Antônio Freitas é taxativo. “Isso causa incerteza nos escalões inferiores, sobre a permanência ou não de diretores, coordenadores e executivos que estão ocupando postos importantes, o que faz com que projetos fiquem parados durante as transições”, diz.”Essa mudança contínua é, de fato, uma negociação para preencher cargos e agradar partidos, o que obviamente prejudica muito a educação”.
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