| Foto: Foto: Aniele Nascimento – Arte: Felipe Lima

Não, não é uma valeta, embora pareça. Nem é o Rio Água Verde, ainda que passe nesse bairro. É um córrego de 3,7 mil metros batizado com o paraníssimo nome de Guaíra. Apesar de sujo, injustiçado e engolido por 1,5 quilômetro de manilha, há, sim, quem se levante em defesa do riachuelo. São cerca de 15 pessoas e formam a Associação Guanabara, apelido da Associação dos Comerciantes, Moradores e Amigos da Microbacia dos Rios Água Verde e Rio Guaíra, entidade que abraçou uma causa quase tão impossível quanto salvar os pandas: quer ver limpas aquelas águas e verdejantes suas margens, como se fosse a manhã da Criação.

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Há quem ache graça – inclusive a turma da "Guanabara", que anos atrás usou do humor para estampar a agonia do córrego: colocou uma janela no ponto exato em que as sugestivas ruas Rio de Janeiro e Amazonas se cruzam, para que os passantes se debrucem e contemplem o Guaíra, qual seus pais e avós faziam até a década de 1960.

Deu certo. O local virou um monumento conhecido como "Janela do Rio", ainda que erguido com tapumes e sobras de demolição. "Custo zero", jactam-se os associados. Desde 2008, ano em que foi erigido, não passa um dia sem que seja visitado. "Ideia minha", avisa Mário Milani, 57 anos, editor da revista Bem Público, cuja redação funciona a 20 passos dali. Sabe aquele "L" que o Lula faz com o dedo, hã? Pois é, também foi invenção do Milani, que devia cobrar royalties do ex-presidente para salvar o Guaíra da morte.

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"A janela é um primor de marketing", analisa Valmir Maiochi, 57 anos, dono da Panificadora Carrossel – "sede administrativa" do mirante. O córrego passa ao largo do estabelecimento, o que obriga o proprietário a fazer as vezes de ambientalista: entre uma fornada e outra palestra aos curiosos sobre como seria bom poder pescar nos fins de semana, se não houvesse tanta "nhaca" nadando de costas por ali.

Quem escuta Valmir deve se imaginar folgazão, ouvindo a correnteza enquanto masca a raiz de uma tiririca. Há quem suspire de olhos fechados, evidente, porque se abertos veem sacos de lixo, colchões, laranjas podres, tudo colaborando para aumentar o cheiro de cueca secada atrás da geladeira. O padeiro conta que teve quem jogasse um armário inteiro no coitado do córrego, trancando uma galeria, fazendo aguaceiro, calamidade pública.

De resto, com boa vontade o visitante pode encontrar alguma poesia nas duas quadras do Guaíra que ainda cortam a Água Verde. Ao longo do leito há quatro mimosas pontes de madeira, usadas por moradores. É assim em Veneza e em São Petersburgo, se me permitem. A beira-rio também serve de endereço para um centro de umbanda e de um Salão do Reino das Testemunhas de Jeová, prova de sua tolerância religiosa. E socioeconômica – a área abriga mansões e casebres, sem distinção.

Os que tiverem gosto pela aventura podem se enfurnar pela mata das beiras, não sem antes se benzer, é claro. Hão de encontrar a Curitiba de casas de madeira, pinheiros, cerca de pau com roseiras, pés de cana nos quintais e cachorros nos recebendo tão efusivamente que dá até ganas de seguir a nado, o que não é recomendável até que o Plano de Despoluição Hídrica, o PDH, mostre a que veio. É para 2013.

De resto, o riozinho tem força de vontade, merece uma chance. Em feriados, quando menos gente puxa a descarga, a cor da água muda como que por encanto, desopilada da bile que faz sua desgraça. Minhas desculpas se você, caro leitor, estiver tomando seu café da manhã. Longe de mim causar engulhos. Essas descrições tem caráter pedagógico – lembrar que rio não é sinônimo de enchentes e bostas. É símbolo. Quem, afinal, nunca disse algo bonito como "a vida corre feito um rio"?

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Sem falar que o assunto ocupa o debate urbanístico. Pululam histórias de cidades que decidiram amar seus rios – mesmo os chinfrins. Ouvi dizer que não se trata apenas de botar dinheiro, mas de pôr a população de olho nas águas que tem. Olhar é um santo remédio contra a indiferença. Foi o que sacou a turma da "Janela do Rio". Ao ver o Guaíra emoldurado, passantes descobrem que não é um esgoto. Que tem nome. Que leva a algum lugar. Dá até vontade de cantar – "Moon River... wherever you’re going, I’m going your way..."

Veja também
  • Um córrego chamado Guaíra
  • Uma fábula sustentável
  • A santa da Ferrovila