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 | Fotografia: Felipe Rosa – Arte: Felipe Lima
| Foto: Fotografia: Felipe Rosa – Arte: Felipe Lima
  • Bastidores da etapa regional do 1.º Top Cufa, realizado dia 11 de agosto no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba
  • Bastidores da etapa regional do 1.º Top Cufa, realizado dia 11 de agosto no Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba
  • Dayane Rodrigues treina para o desfile no camarim do Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba
  • Dayane Rodrigues treina para o desfile no camarim do Museu Oscar Niemeyer, em Curitiba
  • Candidata é maquiada para o desfile, que contou com 16 participantes. Para um dos organizados do Cufa, José Antônio Campos, concurso ajuda a recuperar autoestima das meninas da periferia
  • Etapa final do concurso será em setembro, no Rio de Janeiro
  • Ensaio fotográfico de Felipe Rosa com Dayane Rodrigues. Ao fundo, torre do
  • Dayane Rodrigues sob as lentes de Felipe Rosa, no Museu Oscar Niemeyer
  • Dayane Rodrigues sob as lentes de Felipe Rosa, no Museu Oscar Niemeyer
  • Dayane Rodrigues sob as lentes de Felipe Rosa, no Museu Oscar Niemeyer
  • Dayane Rodrigues sob as lentes de Felipe Rosa, no Museu Oscar Niemeyer
  • As candidatas reunidas para a etapa paranaense do 1.º Top Cufa [Central Única das Favelas]

A londrinense Dayane Larissa Rodrigues, 22 anos, não lembra ao certo nem o dia nem a hora em que decidiu ser modelo de passarela. Pode ter sido ainda nos tempos do grupo escolar, quando era sempre a última da fila. Ou talvez ao descobrir que jamais seria a princesinha no teatro do colégio – não que lhe faltasse cara de anjo, mas por não encontrar, claro, um príncipe à altura. Quiçá foi ao colecionar apelidos como "vareta" e "girafa", amargando em silêncio a decisão de vingar seu um metro e meio, só de perna. Ou talvez tudo tenha começado ao bater palmas nos portões das casas e ouvir que uma menina linda como ela não devia estar catando lixo, mas na São Paulo Fashion Week, ao lado de Isabeli Fontana.

Isso mesmo – Dayane trabalha com lixo. As ruas de Londrina são sua passarela das oito da manhã às seis da tarde. Na Área Industrial, onde ela faz coleta, muitos devem se julgar vítimas de uma miragem ao vê-la, em slow motion, com caixas de papelão e balaios de garrafas pet fazendo pivôs e paradinhas. Tem 1,80 metro, 58 quilos, cor de cuia, olhos puxados. Seus modos de enfermeira da ala das crianças amenizam nossa falta de jeito diante de tamanha força da natureza. É com voz doce que conta estar à espera de uma chance – há mais de dez anos.

Tudo teria começado quando participou de um desfile mirim das Casas Pernambucanas. Sentiu-se talhada para o ofício. Ganhou R$ 10 de cachê, mas logo entendeu que precisaria de bem mais para repetir a dose. Cada curso, cada book, tinha custos imorais para a guria pobre da Vila Casoni. Quando juntava os caraminguás necessários, ia a pé, para economizar o dinheiro do ônibus, lembra a mãe, Fernanda, 38 anos, de quem a candidata a top herdou a beleza. Quanto às roupas, saia justa. Como pegou gosto pela última moda, aprendeu a improvisar. Ela mesma reforma os modelitos em conta comprados nas magazines populares. Por sorte, qualquer paninho lhe cai bem.

Ressentimento? Nem sombra. É fato que Dayane derramou lá suas lágrimas ao se ver, uma promessa de beldade, trajando boné e camiseta da cooperativa Superbom. Incomoda-lhe ter de ouvir dos fregueses, a todo instante, a frase "vá estudar, menina". Ela terminou o ensino médio e se prepara para ingressar na faculdade de Direito. E se pergunta por que diabos nenhum olheiro cruzou com ela no calçadão da Avenida Paraná. Neste ano, a história de Dayane chegou aos ouvidos do ativista José Antônio Campos, da Central Única das Favelas, a Cufa. O Zé, como é chamado, ficou impressionado ao vê-la dirigindo um fordeco F350 entupido de sobras da humanidade, absolutamente divina na função de coletora de recicláveis. "Acredito no lixo. É o negócio do futuro", avisa Dayane, enquanto se equilibra com perícia num salto 18, dando aquelas passadas cavalares nos ensaios para o 1.º Top Cufa, etapa regional. O concurso, uma espécie de "a mais bela da comunidade", arrebanha modelos nas periferias. Ocorreu há uma semana, no Museu Oscar Niemeyer. Ela venceu.

Dayane concorreu com 15 outras meninas – Stephanies e Janaínas vindas do Parolin ou de Almirante Tamandaré, babás, vendedoras e domésticas de profissão. Em setembro, vai concorrer com beldades oriundas dos subúrbios de 27 estados brasileiros. A madrinha do evento é ninguém menos que Gisele Bündchen. Enquanto o dia D não vem, nossa menina escuta Beyoncé e Adele para relaxar e abraça a rotina da coleta seletiva. "Tem lixo, dona?"

A essa hora, Dayane já bateu palmas na porta de uma dúzia de casas, carregou uma centena de sacos e ouviu uma penca de pessoas perguntarem por que desperdiçar tanta formosura debaixo do céu de Londrina. Parece disco riscado. Pois digo que a clientela deve, por ora, é convidá-la para entrar – só não lhe ofereçam vitamina de abacate. Engorda. Arrisca que em questão de um mês tanta beleza seja roubada pelos fashionistas, à cata de novidades da estação. Restará reproduzir sua silhueta de sílfide na camiseta da cooperativa. E contar que "era uma vez uma top..." Qual um mortal, flanava por ali. "Jura!?", dirão, dando início a um belo conto de fadas. Deles precisamos.

Felicidades, Day. Podemos chamá-la assim?

1º Top Cufa

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