Reações extremas

Polêmicas realçam dificuldade de lidar com opinião alheia

Os acontecimentos recentes têm explicitado, ainda, uma outra faceta da sociedade: a dificuldade individual de aceitar opiniões ou comentários diferentes daquilo que se pensa. Um exemplo deste fenômeno é a apresentadora do SBT, Rachel Sheherazade, que com seus comentários tem despertado reações extremas – sejam favoráveis ou contrárias a suas opiniões.

"Independentemente de concordar ou não, isso [o direito a manifestar seu ponto de vista] é muito positivo. Essa pluralidade de opiniões têm que estar contemplada, ser democrática", observa o filósofo Joel Pinheiro.

O problema, observam os pesquisadores, é quando as opiniões despertam ódio e intolerância. No fim do ano passado, por exemplo, um professor de filosofia disse, via Twitter, que gostaria que Sheherazade fosse estuprada. Na semana passada, a jornalista Cilene Victor da Silva foi ameaçada de morte após postar um texto criticando os comentários da âncora do SBT.

"É preciso ter um cuidado para que não se dirija para a violência. Tolerar matar o outro, mutilar o outro, significa que você rompeu qualquer padrão de civilidade. Isso não vai criar uma sociedade mais pacífica, mas acirrar divisão entre grupos sociais", explica o professor César Bueno de Lima.

Para a professora Luzia Deliberador, os episódios demandam reflexão intensa e uma reação concreta. "Isso é reflexo das falhas que temos cometido na educação formal e informal. Temos de levar esse tema para a sala de aula."

CARREGANDO :)

Repercussão

Morte provoca reação a black blocs

A morte do cinegrafista Santiago Andrade parece ter explicitado o que já era óbvio: o sociedade brasileira, em sua grande maioria, não compactua com ações violentas, como as deflagradas pelos black blocs.

O senador Jorge Viana (PT-AC) pediu agilidade na votação do projeto de lei 499, que tipifica como terrorismo atos como o que vitimou o profissional de imprensa. Ele classificou o grupo de mascarados como "bandidos". "A sociedade rejeita [este tipo de ação]. Foi um soco no estômago da sociedade brasileira e um soco na democracia", definiu a senadora Ana Amélia (PP-RS).

Ao jornal O Estado de S. Paulo, o antropólogo Roberto DaMatta escreveu que os black blocs só terão legitimidade caso passem a se manifestar com o rosto limpo. "A máscara é o signo da corrupção, da covardia, da irresponsabilidade e da tentativa de ser violento impunemente", avaliou.

Um adolescente de 15 anos foi agredido e acorrentado nu a um poste por um grupo de
A âncora do SBT, Rachel Sheherazade provocou reações extremas ao classificar como
Veja também
  • Morte de jornalista causa reação no Planalto e Congresso
Publicidade

Rapidamente, a notícia do adolescente que foi acorrentado nu a um poste por um grupo de "justiceiros" na zona Sul do Rio de Janeiro se propagou pela internet. Junto com os compartilhamentos, seguiu-se uma enxurrada de posicionamentos e comentários, que – favoráveis ou contrários ao "castigo" imposto ao jovem – chamavam a atenção pelo teor extremista. Anteontem, o cinegrafista Santiago Andrade morreu, dias depois de ter sido atingido por um rojão durante uma manifestação, também no Rio. Emblemáticos, os episódios refletem o momento da sociedade brasileira. Afinal, estaríamos caminhando para uma era de acirramento da intolerância e de posições extremas?

Para pesquisadores ouvidos pela Gazeta do Povo, ao menos no campo do discurso, a resposta é "sim". O principal ponto é que o radicalismo – tanto o "de direita" quanto o "de esquerda" – vem catalisado pela internet, principalmente pelas mídias sociais. Se por um lado o meio digital democratizou a comunicação e deu pluralidade às discussões, por outro revelou matizes de intolerância, até então ocultos ou dormentes na sociedade.

"A internet acabou com o monopólio da comunicação. O fim deste ‘funil’ fortaleceu a extrema direita, que estava de fora do debate, e uma ala da extrema esquerda que, até então, estava apagada. Temos uma polarização, com tendências de as pessoas se identificarem e se agruparem nestes polos", avalia Joel Pinheiro, editor da revista Dicta & Contradicta e mestrando em filosofia.

A professora Luzia Deli­be­rador, da pós-graduação em Comunicação Popular e Comunitária da Universidade Estadual de Londrina (UEL), aponta que este extremismo com pitadas de intolerância ganha respaldo no anonimato proporcionado pela internet. Ela exemplifica, mencionando o campo destinado a comentários de notícias em sites, infestados de observações carregadas de fanatismos.

"Esse radicalismo impressiona e assusta. Por um lado, temos uma facilidade de comunicação, mas parece que esta geração não está preparada para isso", disse. "Todos esses preconceitos jogados na internet revelam, infelizmente, uma sociedade conservadora e individualista, incapaz de pensar coletivamente", completa.

Publicidade

Para o professor de So­cio­logia da Pontifícia Univer­si­dade Católica do Paraná (PUC-PR) César Bueno de Lima, o extremismo revela um "grau de despolitização" e uma "pobreza intelectual" de quem o exerce. Esse fanatismo ganha combustível no descrédito pelo qual passam as instituições.

"Há uma crise de legitimidade. A pessoa não legitima [as instituições], mas não sabe o que quer no lugar. É uma atitude criticista: critica-se por criticar", ressalta "É um caminho perigoso, porque esses movimentos podem abrir caminho para uma liderança populista e antidemocrática", alerta.

* * * * *

OpiniãoO rojão que matou Santiago ainda não acabou de explodir

Diego Escosteguy, Diretor da sucursal de Brasília da revista "Época"

Publicidade

A trágica morte do cinegrafista Santiago Andrade não foi uma mera fatalidade. O rojão que o matou fora aceso há meses. Coube aos dois mascarados apenas acabar o serviço. Quando o rojão finalmente explodiu, é possível que ele não estivesse apontado intencionalmente a Santiago. Mas isso não interessa. Não interessa porque, numa República, não há vidas mais importantes do que outras. A vida de Santiago era tão preciosa quanto a vida de qualquer cidadão. Qualquer um que pudesse estar no caminho do rojão naquela tarde de quinta-feira na Praça Duque de Caxias.

Num país em que se reduz todo ato de barbárie a uma fatalidade, seja matar um jornalista ou trancar um adolescente pelo pescoço a um poste, tudo é permitido. E, num país de fatalidades, ninguém é responsável por nada. A morte de Santiago não poderia ser exceção.

Uma fatalidade? Diga isso a Arlita Andrade, viúva de Santiago, e aos seus quatro filhos. A família de Arlita foi destruída pelos dois mascarados — que, como acontece numa democracia, terão direito à ampla defesa e serão julgados pelo que fizeram. Mas a família de Arlita não está destruída apenas pelo que fizeram ambos os suspeitos. Os atos dos dois não surgiram no éter. Sobrevieram num momento de ascensão, no Brasil, de um discurso de intolerância, de ódio mesmo, em relação às principais instituições que dão sentido ao país.

É o discurso que, há meses, acendeu o rojão contra a democracia brasileira. Um discurso que define como vilões da nação a imprensa, os políticos e as demais instituições do Brasil. Um discurso que aparece nos gritos dos black blocs, mas que nasce e se propaga em blogs e sites governistas, financiados com dinheiro público com a missão de difamar a imprensa profissional. Os responsáveis por esses veículos, a pretexto de defender o pluralismo político, dedicam-se — sub-repticiamente e usando máscaras tão negras quanto as dos jovens que explodem rojões nas ruas — a achincalhar jornalistas, procuradores, políticos.

As ideias dos mascarados digitais tomam forma nas ações dos mascarados da rua. Não à toa, 114 jornalistas foram feridos desde o começo dos protestos, em junho passado. Acossados por black blocs, mas também pela polícia, repórteres têm de aderir ao anonimato para poder trabalhar. Mas as vítimas não são apenas jornalistas como Santiago. O rojão que o matou ainda não acabou de explodir. Está à espera de mais fatalidades.

Publicidade

Num país de fatalidades, ninguém é responsável por nada. A morte de Santiago não poderia ser exceção.