Quando o assunto é combate às drogas, máfia, crime organizado, o nome do desembargador do Tribunal de Justiça de São Paulo e ex-secretário nacional Antidrogas Wálter Fanganiello Maierovitch é uma das referências no setor de segurança pública. Assessor internacional da União Europeia sobre assuntos ligados ao crime organizado, foi o primeiro magistrado estrangeiro condecorado pelo governo italiano e preside atualmente o Instituto Brasileiro Giovanni Falcone de Ciências Criminais. No fim do ano, o desembargador lança o livro Novas Tendências da Criminalidade Transnacional Mafiosa, pela editora Unesp, ao lado da jurista Alessandra Dino.
O desembargador analisa de forma contundente as políticas públicas brasileiras de combate ao narcotráfico e elogia o trabalho feito no Rio de Janeiro com as Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs). "Vimos, pela primeira vez na história do Brasil, bandidos fugindo. Isso, para alguém que está na área há 40 anos, é de lavar a alma", comenta. Nascido em São Paulo, em 1947, formou-se em Direito pela Universidade de São Paulo (USP). Já foi o representante brasileiro na Organização das Nações Unidas (ONU) para atuação no Escritório para Controle de Drogas e na Organização dos Estados Americanos (OEA), onde atuou no órgão de drogas ilícitas (Cicad). Na visão do especialista, o Rio está no caminho, mas não pode deixar o populismo atrapalhar.
A estratégia adotada pela polícia do Rio de Janeiro para reagir aos ataques foi acertada?
Na realidade, é uma política de segurança em implantação e essa política está voltada para as unidades de pacificação. É uma política adequada. Vários países fizeram isso, principalmente a Itália. É um modelo que resgata a cidadania e, evidentemente, os territórios. Ele tira o espaço do crime organizado do Rio, que tem matriz mafiosa, e resgata o controle social. E isso, de alguma forma, acaba afetando a economia dos grupos criminosos. Nesse caso, houve uma reação. São facções criminosas que se uniram, formaram uma confederação criminal, como acontece com a Camorra Napolitana, e resolveram reagir com táticas de guerrilha para difundir o medo na população.
A polícia carioca estava preparada para a reação dos criminosos?
É evidente que há necessidade de reação da polícia pela força. Caso contrário, só o crime organizado mostra os músculos. O que aconteceu? O Rio de Janeiro foi claro nessa reação com equilíbrio do secretário da Segurança e, de repente, se conseguiu uma coisa inédita, que foi a cooperação fundamental da Marinha, fornecendo essas viaturas abre-alas. Até o momento, essa repressão tem sido adequada. Não se pode cair no populismo e deixar ela extrapolar.
O que deve ocorrer nos próximos dias?
A experiência internacional mostra [citando a repressão às máfias italianas] que essas organizações de matriz mafiosa e pré-mafiosa têm um tempo de reação com ações espetaculares. Não é um período longo. O que elas fazem quando o estado reage bem, como é o caso do Rio? Elas submergem, esperam passar um tempo, se reorganizam, buscam apoio em outras organizações em outro estado e voltam a atacar. É isso que vai acontecer.
Pode haver migração desses traficantes para outros estados?
Se essa fosse a meta, isso já teria ocorrido. Está claro que não houve uma articulação nesse sentido. Mas, mesmo assim, é preciso que as polícias rodoviárias fiquem atentas para evitar que o crime organizado busque migrar ou que haja recebimento de outras facções em outros estados.
O tráfico de drogas é a causa fundamental dessas ocorrências no Rio de Janeiro. Não está na hora de os governos pensarem no problema de forma macro?
O mundo precisa pensar de forma macro. Porque, no mundo, as polícias conseguem apreender de 3% a 5% do que é colocado de droga no mercado. Isso é nada. O Brasil não tem matéria-prima para elaboração do cloridrato de cocaína e da pasta-base da cocaína. Não temos a folha de coca. A folha tem no Peru, na Colômbia, na Bolívia e no Equador, países andinos. Mas esses quatro países não têm indústrias químicas. Para transformar a folha de coca em cloridrato de cocaína há necessidade de insumos químicos. E o Brasil tem a maior indústria química não fiscalizada da América Latina. Vamos fazer nosso mea-culpa. O Brasil fornece insumos químicos. Precisamos começar a trabalhar muito em várias coisas. O Brasil não consegue nem evitar entrada de celular em presídio. Não consegue, em relação a líderes de organizações criminosas, manter isolamento. A OAB é contra vídeo-conferência e os presos saem de um lugar para outro, fazendo turismo judiciário, indo às audiências e saindo dos presídios, passando informações. Então, nós precisamos mesmo pensar macro.
Dentro disso é preciso se preocupar, inclusive, com o departamento financeiro do tráfico...
O tráfico precisa ser desfalcado. Para se ter uma ideia, nos últimos dez anos, a magistratura italiana, o ministério público e as polícias antimáfia, só com relação a Cosa Nostra siciliana, conseguiram desfalcá-la em 3 bilhões de euros. O Brasil, com o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (ligado ao Ministério da Fazenda), no governo FHC, conseguiu durante 4 anos levantar suspeitas em 563 movimentações bancárias. Isso, em qualquer país sério, é um serviço de meia hora. O Brasil precisa fazer esse órgão de inteligência funcionar, mas também precisa ver o problema das armas. O país é o terceiro bloco exportador de armas.
A legalização das drogas seria uma alternativa?
Essa é outra questão, ligada à saúde pública. Não temos uma experiência internacional de legalização de drogas em lugar nenhum do mundo. Temos a Holanda, que permite o uso, dentro de determinados locais. É uma questão a ser estudada. Até porque, se permitir a legalização, o que o estado vai fazer? Ele vai comercializar? Vai terceirizar o plantio? É uma outra questão.
No Brasil se fala muito em política de educação, de campanhas de conscientização. O país tem falhado nesse setor?
Existe uma falha enorme. Aliás, não existe políticas nesse sentido. Qual é a política adequada? Os Estados Unidos patinaram durante muitos anos porque eles demonizavam o uso de drogas. E demonizar gera curiosidade e marginaliza aqueles que fazem uso. Então, tem que ter uma medida adequada.
Há uma perspectiva boa para os próximos anos na área de combate ao tráfico?Já tivemos um bom resultado no Rio de Janeiro com essas unidades pacificadoras. Vimos, pela primeira vez na história, bandidos fugindo. Isso, para alguém que está na área há 40 anos, é de lavar a alma.
As UPPs podem ser uma saída para outros estados?
Essas unidades funcionam para retomar território e controle social. Há estados que têm problemas de tráfico, mas não de território. Então, o que precisa é ação social sempre e educar para a legalidade democrática desde as escolas.
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