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Clarissa Grassi

Vozes do passado caladas pelo esquecimento

O último vestígio do tenor Asaro | Clarissa Grassi/Arquivo pessoal
O último vestígio do tenor Asaro (Foto: Clarissa Grassi/Arquivo pessoal)

O adeus a um ente querido é sempre envolto na ideia da morte como um tipo de sono eterno. Centenas de epitáfios pontuam o desejo de familiares e amigos de que o morto “descanse em paz”. O cemitério também é visto como uma paisagem estanque, de poucas modificações, como se aquilo que foi escrito na pedra das lápides e túmulos permanecesse resistindo e existindo de maneira ininterrupta ao longo dos anos.

O fato é que, assim como a cidade dos vivos, os cemitérios têm sua dinâmica de ocupação. Mas o crescimento das cidades faz com que nem sempre a sepultura, antes encarada como morada eterna, mantenha-se intocada. A morte também tem suas intermitências e pede espaço de tempos em tempos. Que o digam três artistas italianos, outrora ocupantes do cemitério público mais antigo de Curitiba, o Municipal São Francisco de Paula. Salvatore, Gina e Rosina jamais poderiam imaginar “o fim do fim”: a extinção de suas sepulturas e o apagar das memórias.

Resgatar suas trajetórias não é tarefa fácil. São parcos os registros, muitos restritos apenas ao necrológio e à mensagem gravada em seus epitáfios. Em 1977, o jornalista Aramis Millarch noticiava a pauta de uma reunião da Fundação Teatro Guaíra. O texto informava sobre a necessidade de reforma dos dois túmulos de artistas estrangeiros falecidos na capital entre as décadas de 1910 e 1940. Sem saber, Millarch anunciava o desfecho dessa história: “Como não deixaram descendentes em Curitiba, acabaram sendo esquecidos”.

Abandonadas e ruinosas, as duas construções obedeceram à dinâmica e ao regulamento da necrópole: foram demolidas e deram espaço a túmulos novos. Das duas campas, apenas a da romana Rosina Carbone era mais elaborada, encimada por uma escultura de mármore, na qual um tronco com todos os galhos cortados figurava a vida ceifada pela morte. Faz jus à trajetória da jovem cantora italiana de 22 anos, integrante da Companhia Lahoz, de um italiano de mesmo nome, que correu estados levando peças e operetas aos teatros brasileiros.

Em seu necrológio, Rosina é chamada de chanteuse, pranteada e despedida por suas tristes amigas, as quais depositaram inúmeras flores em seu caixão. Uma subscrição foi aberta rendendo soma destinada à construção de seu túmulo e, certamente, origem da escultura em mármore Carrara, hoje desaparecida. O Diário da Tarde, de 1914, diz que aqui a jovem se deixou levar pela excelência do nosso clima e pela beleza da nossa natureza. Restou apenas o epitáfio em mármore, escrito em italiano por suas amigas.

Não distante de Rosina, também repousavam os restos mortais de Salvatore Asaro Armando Boris. Patrício da chanteuse, Boris nasceu em Palermo e tombou em solo curitibano em 1939. Dele pouco se sabe além do fato de parecer ter diversas grafias para o nome. A profissão é indicada no epitáfio como “tenor Asaro Armando Boris”, mas no livro de sepultamentos indica-se apenas Salvador Boris. Uma notícia de 1938, quando da vinda do embaixador da Itália a Curitiba, aponta que durante as festividades de recepção à autoridade, um hino de composição do “conhecido tenor lírico maestro Salvatore Asaro Boris” foi executado pela banda da Força Militar.

Junto dele estava sua amada, Gina, autora da mensagem póstuma gravada no epitáfio e em cuja lápide lia-se apenas “Gina Boris – Torino – Itália, 23/6/1944, tuas amigas”. Das vozes do tenor e da cantora restaram apenas os ecos ainda audíveis a quem conhece a localização marginal de seus epitáfios. Memento mortuorum, lembre-se dos mortos.

Lista de Falecimentos - 20/09/2015

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