O caráter único da epidemia de zika – que se espalhou muito rapidamente pelo Brasil levantando a suspeita de ser responsável pelo aumento de casos de microcefalia e outros problemas neurológicos – pode ter pelo menos uma consequência positiva: abriu oportunidade para a ciência brasileira se destacar em responder rapidamente a uma emergência de saúde.
Provavelmente pela primeira vez em torno de um problema biomédico, a comunidade científica nacional foi muito ágil em se articular, fazer parcerias locais e com instituições estrangeiras e redirecionar esforços dos laboratórios para uma nova causa. Mas essa rápida mobilização, apontam líderes de alguns dos principais grupos de pesquisa, ainda não foi seguida por contrapartida de oferta de recursos do governo federal, o que pode ser um entrave em breve para o avanço dos estudos.
“Desde que observamos o aumento nos casos de microcefalia, em outubro, e, a partir do momento em que o Ministério da Saúde decretou a emergência sanitária nacional, em 11 de novembro, a ciência se reorganizou de tal forma que logo começou mostrar evidências muito significativas, que fizeram, por exemplo, o governo mudar sua postura de vigilância e agilizar uma campanha contra o Aedes aegypti”, relata Rodrigo Stabeli, vice-presidente de pesquisa e laboratórios de referência da Fiocruz.
“Vemos cientistas compartilhando dados e materiais, o que mostra que a ciência brasileira tem capacidade de dar respostas ao que talvez seja um dos maiores problemas de saúde no país”, diz. “Por outro lado, desde o começo o governo promete recursos para a pesquisa, mas já se passaram mais de cem dias desde o decreto de emergência nacional e ainda não vimos uma política concisa que possa dar diretriz de financiamento.”
Queixas
O problema veio à tona em encontro no Recife, na semana passada, que reuniu pesquisadores de todo o país que trabalham no enfrentamento da situação. “O que mais se ouviu é gente se queixando de falta de dinheiro. Existe uma crise, claro, mas temos visto o governo falar em alocação de recursos. Só que ainda não vemos isso chegar às bancadas dos laboratórios. E a ciência agora não pode ficar esperando”, diz o virologista Paolo Zanotto, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP) e coordenador da Rede Zika, força-tarefa paulista.
Em São Paulo, a situação só não é tão dramática porque a Fapesp (agência de fomento à pesquisa do Estado), em dezembro, aprovou em dias a liberação de aditivos para projetos que já estavam em andamento, redirecionando esforços de outras pesquisas. O Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação pensa em criar um modelo de fast track, mas isso ainda não vingou.
Pacotão
Conforme a reportagem apurou, o órgão está planejando, com o Ministério da Saúde e a Casa Civil, lançar um pacotão de editais e linhas de financiamento para agilizar a pesquisa em zika, mas também ainda não há data de lançamento.
Pedro Prata, diretor do Departamento de Ciência e Tecnologia do Ministério da Saúde, afirmou que existe esse plano e reconheceu que é necessário fortalecer as pesquisas em andamento. “Temos condições de ser protagonistas no desenvolvimento científico da área: temos material humano, instituições fortes. Precisamos de fomento.”
Prata disse que na terça (8) e quarta-feira (9) serão feitas “oficinas de prioridades” com os principais grupos que trabalham com zika no país para que eles façam apresentações e o governo decida quais precisam de fortalecimento e devem receber investimento primeiro. Apenas depois, disse Prata, é que serão lançados os editais para projetos de médio e longo prazo. Cada um deve receber algo em torno de R$ 500 mil a R$ 1 milhão.
Também afirmou que a prioridade inicial do governo federal foi investir nas pesquisas de vacina. Foi anunciado repasse para o Instituto Butantã de R$ 100 milhões, mas são para testes da vacina da dengue. O governo confia que será possível transformar a vacina tetravalente (para os quatro sorotipos de dengue) em pentavalente (incluindo o zika). “A vacina teve prioridade porque já protege as pessoas antes mesmo de entendermos melhor o que está acontecendo (na epidemia).”
As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.