“Procuro pensar que Deus só manda o peso que eu posso carregar; então vou cuidar do meu filho como ele vier. Mas eu me preocupo: quem é que vai cuidar dele quando eu morrer?”
A espera pelo resultado do exame que pode confirmar a contaminação pelo zika vírus colocou a gestação e a maternidade em perspectiva: a preocupação de Ana*, 19 anos, grávida de cinco meses do primeiro filho, confronta a ordem natural dos encontros, em que mães partem antes dos filhos, e ameaça todo um imaginário sobre o que é ser mãe e sobre o que se deseja para um filho.
Ana mora em Colorado, município do Norte paranaense e primeiro a registrar a contaminação pelo zika vírus em gestantes. Como outras mulheres, ela sentiu um único sintoma: vermelhidão e coceira. Não fosse o alarde nacional sobre o assunto, as manchinhas poderiam ter passado por alergia.
De acordo com o último boletim epidemiológico da Secretaria Estadual de Saúde, já foram confirmados nove casos autóctones (contraídos no município) de zika em Colorado, sendo cinco em gestantes e um em uma puérpera, cujo bebê recebe acompanhamento. Na terça-feira (1.º), quando a Gazeta do Povo esteve na cidade, mais um caso em gestante havia sido confirmado. Pelo menos outras sete estão sob suspeita de contaminação – o número total de casos suspeitos de zika chega a 25.
A Secretaria Municipal da Saúde de Colorado adotou uma postura de resguardo diante dos casos de zika entre gestantes e tem preservado a identidade das pacientes. Sabe-se que as mulheres vivem em bairros diferentes, o que sugere uma ampla circulação do vírus pelo município; e que possuem idades e condições econômicas distintas. Talvez o caso mais delicado seja o de uma adolescente de 16 anos, grávida de gêmeos e contaminada pelo zika no primeiro trimestre de gestação.
Descaso
“As gestantes estão reféns isoladas de um vírus pouco conhecido; do poder público, que é ineficiente nas medidas para eliminar o mosquito e da população, que subestima a gravidade de epidemias de dengue e zika e descuidam de medidas simples, como cuidar do próprio jardim”, analisa Rafaela de Almeida, ginecologista e obstetra de Colorado que acompanha de perto três gestantes contaminadas pelo zika.
Paula*, 29 anos, grávida de sete meses do segundo filho, concorda com a médica. Ela descobriu que tinha contraído zika na última segunda-feira (29) e, desde então, tudo se tornou dúvida, espera e revolta.
- Vítimas do vírus, gestantes colocam em xeque estrutura de saúde
- Subnotificação e desdém pela doença desafiam o combate ao zika
- OMS diz que há ‘acúmulo de evidências’ da relação entre zika e microcefalia
- Tire suas dúvidas sobre transmissão do zika por relações sexuais
- OMS diz que zika já chegou a 52 países desde 2007
“Eu vou absorvendo as notícias todos os dias, mas a verdade é que não temos certeza de nada: nem o que causa, nem em qual fase da gestação. Todo mundo me pergunta o que vai acontecer, o que eu vou fazer quando nascer, mas não tenho nenhuma resposta. Tento me apegar a Deus, mas no fundo sinto revolta porque foi o descaso do governo e da população que nos trouxe até aqui.”
Nove meses de suspense
O medo atinge também as grávidas de Colorado que ainda não apresentaram nenhum sintoma, mas sentem-se vulneráveis ao vírus. É o caso de Elisa*, 28 anos, que espera o primeiro filho. Grávida de três meses, ela passa pela fase considerada de maior risco para uma contaminação pelo zika – momento em que as estruturas neurológicas do feto são formadas e os danos causados pelo vírus podem ser mais graves.
Diante do aumento de casos de gestantes com zika no município, Elisa redobrou os únicos cuidados aos quais pode recorrer: repelente e roupas compridas.
“Fico chateada porque muita gente vem me perguntar se eu não assisto televisão e como eu tive coragem de engravidar. Quer dizer que a culpa ainda é minha por ter engravidado, e não de quem contribuí para que o mosquito se crie. Se fosse hoje, esperaria para engravidar. Mas não quero ninguém apontando o dedo para mim, até porque sou eu que vou cuidar do meu filho como vier.”