A discórdia política nacional atingiu níveis extremos ao longo da última semana. O ápice dessa escalada ficou evidente na quarta-feira (16), quando Lula foi confirmado para assumir a Casa Civil da Presidência. Ao tornarem-se públicas as conversas telefônicas que sugerem a intenção do governo de beneficiar o ex-presidente com o foro privilegiado, o discurso de quem pede o fim do mandato de Dilma Rousseff ganhou ainda mais força.
A adesão dos movimentos sociais aos atos pró-governo realizados nesta sexta-feira (18) marcou mais um passo na tensa caminhada que tem conduzido o país à beira do abismo. O apoio irrestrito desses grupos ao PT, partido diretamente envolvido nas investigações da Operação Lava Jato, mostra que o processo de impeachment da presidente, ainda que aclamado por muitos setores da sociedade, será muito questionado.
Os desdobramentos desta crise conturbada são difíceis de prever. No momento, há três desfechos possíveis, alguns com potencial para jogar o governo e o país no precipício:
Cenário 1: Lula vira (mesmo) ministro
Cenário 2: Michel Temer assume
Cenário 3: Chapa de Dilma é cassada
Lula vira (mesmo) ministro
Mesmo acuado pelas investigações da Lava Jato e execrado por parcela da população, Lula mantém apoio de movimentos sociais. Isso possibilitaria mudanças na economia sem grandes questionamentos desses grupos – especialmente medidas de estímulo ao crédito.
A oposição, porém, não dá sinais de que aceitará esse desfecho, ainda mais com o acirramento dos protestos antigoverno. Uma enxurrada de ações contra a nomeação de Lula foi protocolada na Justiça. Gilmar Mendes acatou um dos pedidos e o caso será solucionado no pleno do Supremo Tribunal Federal (STF). Ferrenho crítico do partido, o historiador Marco Antonio Villa afirma que haveria uma “guerra civil” se Lula continuar ministro. “Se ele não sair, haverá uma rebelião popular.”
Para o cientista político Luis Gabriel, professor das Faculdades Integradas Rio Branco, Lula sempre teve muita articulação. “Ele elegeu-se, ganhou reeleição, elegeu Dilma e a reelegeu, já em situação difícil. Enfrentou a crise econômica de 2008 e também a turbulência do mensalão”, observa. Ele pondera, porém, que há pouco tempo para Lula tirar algum truque da manga.
Para o filósofo e professor da USP Renato Janine Ribeiro, ministro de Educação do governo Dilma por alguns meses, a melhor solução é Lula permanecer como ministro: “Não só para o PT, mas para o Brasil todo, teríamos a manutenção da ordem constitucional”.
A fórmula de Lula para vencer a crise é abrir os cofres públicos e inundar o país de crédito. “A coisa mais simples que ela [Dilma] tem de fazer é liberar financiamento para governadores e fazer o BNDES liberar dinheiro do PAC [Programa de Aceleração do Crescimento], do PIL [Programa de Investimento em Logística], da p... que o pariu”, disse ele em conversa interceptada pela Polícia Federal.
Dilma parece ter ouvido: na quinta-feira (17), o comando do PAC foi transferido à Casa Civil, pasta de Lula. O governo também estuda aliviar a meta fiscal para injetar R$ 9 bilhões no programa. E espera que, ao renegociar a dívida dos estados, “sobrem” outros R$ 9 bilhões para eles investirem.
Mas há dúvidas sobre o apetite por crédito de empresários e consumidores. E as medidas vão ampliar o buraco das contas públicas, que já está em níveis recordes. Ao mesmo tempo, ações impopulares para conter o rombo, como a reforma da Previdência, tendem a ser abandonadas com Lula no Planalto.
Michel Temer assume
O historiador Marco Antonio Villa opina que, após um eventual impeachment de Dilma, haveria um governo de união nacional, disposto a destravar a crise econômica. “Seria importante propor alguma mudança para melhorar o funcionamento da política brasileira, que seja voto distrital, ou cláusula de barreira.”
Villa diz que o PT não teria força para fazer oposição ferrenha à gestão de Michel Temer. “A situação dele é difícil, ele também enfrenta problemas com a Lava Jato, por isso não pode ser comparado ao Itamar Franco. Mas devemos resolver uma situação de cada vez”, afirma.
O sociólogo Sadi Dal Rosso, professor da UnB, pondera que a liderança política de Temer é muito pequena e que ele teria dificuldades em promover a tão esperada união nacional. “Que discurso ele faria à nação?”, questiona.
Maria do Socorro Braga, professora da UFSCar, também avalia que a tendência de Temer é “sarneyzar”, isto é, ser um presidente fraco. “Para o PSDB seria melhor levar essa situação até 2018, com Temer levando a culpa pelas dificuldades econômicas que perdurarão”, acrescenta.
Janine Ribeiro avalia que Temer, alçado à presidência, comporia forças principalmente com o PSDB. “Significa conflito com trabalhadores, provável arrocho salarial”, afirma.
A hipótese de impeachment ou mesmo renúncia da presidente agrada ao mercado e parte significativa do empresariado porque, para começar, eles consideram que a simples saída dela já restauraria boa parte da confiança na economia.
Em segundo lugar, a ascensão de Michel Temer poderia significar a implantação de pelo menos algumas das reformas sugeridas pelo documento “Uma ponte para o futuro”, do PMDB. De inspiração liberal, o plano propõe reformas de longo prazo para equilibrar as contas públicas, como fixação de idade mínima para aposentadoria, desvinculação de qualquer benefício ao salário mínimo e revisões em gastos obrigatórios e programas de governo.
“A questão é que mudanças como essas exigem capital político muito forte. Não sei se o Temer teria esse capital todo. Pelo menos até as últimas eleições, a população deixou claro ser contrária a essas medidas”, diz o economista Paulo Springer de Freitas, consultor do Senado.
Chapa de Dilma é cassada
Este é o cenário de desdobramentos mais imprevisíveis. Caso prospere o pedido de cassação da chapa Dilma Rousseff e Michel Temer no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) – alimentado por novas revelações de doação ilegal na campanha de 2014, que estão surgindo no âmbito da Lava Jato –, haverá novas eleições. Mas é praticamente impossível que o pleito ocorra por voto direto dos brasileiros.
“São remotas as possibilidades. Pelos prazos processuais de defesa, oitivas de testemunhas, delegações finais e prazo para recursos”, explica o advogado Carlos Alberto Mariano, especialista em direito eleitoral. Segundo ele, o desfecho seria só em 2017, já no segundo biênio do mandato, o que exige eleição indireta pelo Congresso Nacional, segundo a Constituição.
Não há consenso sobre quem poderia se candidatar, observa Marco Antonio Villa. A eleição indireta permaneceria um risco com uma eventual cassação de Temer decretada pelo TSE. E, caso houvesse ainda alguma chance de eleição direta, ela seria muito turbulenta no cenário atual.
“Não há lideranças e estamos vendo o crescimento de um caldo neoconservador muito forte, propício para figuras aventureiras explorarem o desespero da população e se apresentarem como salvadores da pátria. A experiência mostra que salvadores da pátria trazem junto um período de conturbação ainda maior”, analisa Luis Gabriel.
Nenhum cenário é tão difícil de prever quanto o de uma nova eleição para presidente, direta ou indireta. Assim como no caso do impeachment, o “efeito psicológico” do fim do atual governo tende a ser positivo, com uma melhora na confiança de empresários e consumidores, o que por si só destravaria um pouco a atividade econômica. Mas esse impacto pode durar pouco.
Não se sabe o que seria da política econômica no intervalo entre a cassação e a realização das novas eleições, período em que o país seria governado pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha. Na sequência, tudo dependeria da composição e da força política do novo governo.
Derrotados na última eleição, Aécio Neves e Marina Silva eram assessorados por economistas que no geral têm ideias opostas às da atual equipe econômica. Se um dos dois estiver no novo governo e mantiver o discurso de reequilíbrio das contas públicas, a tendência seria de uma retomada lenta da economia.
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