Os depoimentos das testemunhas ouvidas pelo Ministério Público na Operação Quadro Negro permitem que se reconstrua uma história da Valor Construtora – peça-chave no esquema de desvio de recursos de obras de escolas públicas no Paraná que vem sendo desvendado pelo Gaeco. Não apenas uma história “formal”, com as datas oficiais de abertura, mudança de sócios e dos principais contratos, mas também uma história de como o esquema foi se organizando e crescendo dentro da empresa.
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A Valor começou a operar no rastro de outra empresa de Eduardo Lopes de Souza, a EGC Construtora e Obras, que entrou com um pedido de recuperação judicial em 2010 – deixando centenas de ações trabalhistas em aberto. A nova empresa surgiu para locar os equipamentos pesados que restaram. No entanto, desde o princípio Eduardo não tinha como assumir formalmente a propriedade – o primeiro “laranja” que usou para assinar os documentos em seu nome na Valor teria sido o irmão, Rogério.
De Bituruna...
A história da Valor começou a mudar em Bituruna, no sul do Paraná, com uma licitação para a construção de uma escola. A construtora foi a única a participar.
... A Moçambique
A empresa deu um passo ainda maior com a criação de uma segunda sede em Moçambique. A ideia, segundo os depoimentos, era ter uma filial na África.
O uso de testas de ferro se perpetuaria na empresa, devido às restrições do real dono, registrado de início com um salário de pouco mais de R$ 3 mil. Salário que, segundo a atual “proprietária” da empresa, Vanessa Domingues de Oliveira, só teria sido elevado para cerca de R$ 7 mil depois que parte dos rendimentos de Eduardo (20%) teriam sido vinculados ao pagamento das ações trabalhistas anteriores. Os funcionários, aliás, se perguntam, a partir disso, como ele teria os vários carros de luxo com que andava e que entregava aos familiares (todos com as placas “BES”), incluindo Porsches e Audis.
A história da empresa começou a mudar no pequeno município de Bituruna, no sul do Paraná, com uma licitação para a construção de uma escola. A construtora foi a única a participar. Sem concorrentes, a representante da Valor apenas se sentou à mesa do responsável pela abertura dos envelopes e viu a empresa ser aprovada. A concorrência não exigia “acervo técnico”, ou seja, não colocava o pré-requisito normal nessas situações que é o de comprovação de algum trabalho anterior do mesmo gênero.
Obra fraudada pela construtora Valor vira mocó e ponto de consumo de drogas
Leia a matéria completaDepois de fazer esta e de ganhar outras licitações em Bituruna, a Valor construiu seu “acervo técnico” e pôde começar a participar de concorrências no governo do estado. A primeira licitação vencida foi a da reforma da escola Amâncio Moro, em Curitiba. Depois vieram outras: dez, para ser preciso. E agora a empresa tinha concorrentes, mas ganhava a disputa na base dos descontos. Chegou a vencer com 29% de deságio em cima do valor sugerido em edital. Em um caso, em Cascavel, ofereceu 31%, mas o preço foi considerado inexequível. Segundo Vanessa, a ideia não parecia ser completar as obras por esse pagamento, e sim conseguir aditivos, como ocorreu em alguns casos. E, antes disso, conseguir o pagamento sem ter concluído a obra. Houve casos de pagamento integral com 10% concluídos, segundo as testemunhas.
Mais escolas, menos mocós
A construção da escola Jardim Paulista, em Campina Grande do Sul, virou mocó e ponto de consumo de drogas após a polícia e o Ministério Público descobrirem fraude nas medições de execuções de obras de dez escolas públicas do PR.
+ VÍDEOSCom isso, a empresa passou a receber pagamentos mensais. Mas o dinheiro não seria usado para pagar as obras, nem mesmo ficava na conta. Os saques, segundo os depoimentos, eram mensais. Do total recebido, só no período de Vanessa (a quarta “laranja” a assumir a Valor, em 2014) foram R$ 6 milhões em saques. No total, estima-se que foram R$ 13 milhões distribuídos em propinas e pagamentos a autoridades.
A empresa cresceu e ganhou licitações em mais prefeituras, como Ponta Grossa. Deu um passo ainda maior com a criação de uma segunda sede em Moçambique. A ideia, segundo os depoimentos, era ter uma filial na África, mas a lei moçambicana exige um sócio local, e a solução foi abrir uma nova empresa com um parceiro do país – segundo as testemunhas, uma empregada doméstica – na cidade de Beira.
Quando o escândalo estourou, a empresa tinha acabado de fazer um saque de R$ 800 mil para distribuir o dinheiro. Em fevereiro, mesmo depois da Quadro Negro, os testemunhos dizem que houve mais um pagamento desviado. Nessa época, Eduardo já estava montando a nova empresa com que pretendia fazer negócios, a PB. Mas acabou preso antes disso.
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