Michel Temer e o presidente argentino Mauricio Macri: a direita no poder.| Foto: Beto Barata/PR

Impeachment no Brasil. Protestos e crise sem fim na Venezuela. Em Cuba, a morte de Fidel Castro. Na Argentina, o início de um governo liberal. Havia muito tempo que a esquerda na América Latina não tinha um ano tão ruim. Exceto por alguns poucos países, como o Uruguai e o Equador, quase todo o continente vai deixando para trás um verdadeiro surto de governos mais à esquerda.

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Dez anos atrás, quase toda a América do Sul tinha guinado à esquerda. O Brasil elegeu Lula pela primeira vez em 2002, três anos depois da ascensão de Hugo Chávez. Bolívia e Equador se uniram ao “bolivarianismo” com Evo Morales (2005) e Rafael Correa (2007). Ao Uruguai de Tabaré Vazquez (2005) se seguiu o Paraguai de Fernando Lugo (2008). Todos governos diferentes, mas com uma crítica comum ao liberalismo e ao que, na época, se chamava de “Consenso de Washington”.

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Desde o fim de 2015, porém, com o fim do governo de Christina Kirchner na Argentina (substituída pelo empresário Mauricio Macri) e a queda de Dilma Rousseff no Brasil, as duas principais economias do país retomaram um discurso liberal. O Paraguai já havia escolhido virar à direita com Horacio Cartes e a Colômbia e Peru também se mantiveram longe do bolivarianismo.

Há muito forte, aqui, a questão do personalismo. Os eleitores escolhem líderes mais do que partidos. E às vezes, quando se esgota uma liderança, o programa todo rui.

Bruno Bolognesi cientista político da UFPR

Ciclo

Para o cientista político Bruno Bolognesi, da Universidade Federal do Paraná (UFPR), trata-se de um movimento cíclico típico de democracias, mas que é exacerbado por características próprias do continente. “Há muito forte, aqui, a questão do personalismo. Os eleitores escolhem líderes mais do que partidos. E às vezes quando se esgota uma liderança, o programa todo rui”, diz.

O desgaste da esquerda nos diversos países se deu por motivos distintos, mas em vários deles teve causa econômica. O Brasil, com Dilma, entrou em recessão. Nada semelhante à crise venezuelana, que criou uma inflação de 600% ao ano, mas mesmo assim o suficiente para abalar o programa do Partido dos Trabalhadores. Aos governos que estão sucedendo essa geração, restará o desafio de mostrar que as políticas liberais conseguirão reverter o quadro.

No entanto, desde já Bolognesi diz que é preciso perceber que a transição atual não significa nenhum “fim da história” – com a vitória de um grupo sobre outro. Assim como no início dos anos 2000 a direita estava em baixa no continente e se reergueu, a esquerda provavelmente se reinventará e poderá chegar de novo ao poder onde hoje está caindo.

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Para o cientista político Adriano Codato, da UFPR, a superação do personalismo é apenas uma das “tarefas urgentes” da esquerda para se reerguer no continente. “É preciso evitar o populismo e o seu irmão mais velho, o personalismo autoritário. Democratizar internamente os partidos. E assumir, junto com a inextinguível luta por um mundo mais igualitário, a responsabilidade fiscal.”

Recuperação

Para o cientista político Adriano Codato, da UFPR, a superação do personalismo é apenas uma das “tarefas urgentes” da esquerda para se reerguer no continente. “É preciso evitar o populismo e o seu irmão mais velho, o personalismo autoritário. Democratizar internamente os partidos. E assumir, junto com a inextinguível luta por um mundo mais igualitário, a responsabilidade fiscal.”

Desventuras em série

O ano começou e terminou mal para a esquerda latino-americana. Lembre:

Argentina

Em 2016, o país mudou várias das políticas que vinham sendo implantadas pelo casal Kirchner. Mauricio Macri, o empresário que assumiu a presidência em dezembro de 2015, significou uma virada significativa na segunda maior economia da América do Sul.

Brasil

Dilma Rousseff, herdeira de Lula na Presidência, foi deposta por acusações de irregularidades. Além disso, descobriu-se que vários políticos e dirigentes do PT estavam envolvidos em um esquema gigante de corrupção que devastou a popularidade do partido.

Cuba

Maior símbolo do socialismo na América Latina, Fidel Castro morreu num momento de pequena abertura da ilha. Especula-se que sem a figura do líder revolucionário o país possa passar por mudanças mais bruscas a partir de agora.

Venezuela

Nicolás Maduro, herdeiro político de Hugo Chávez, segue no poder, mas a cada dia com maior dificuldade. O país, com inflação altíssima e índices econômicos piorando a olhos vistos, parece à beira de uma convulsão social mais grave.

Bolívia

Evo Morales fez um referendo para perguntar se o povo lhe permitiria disputar um quarto mandato presidencial em 2019. Perdeu. Agora diz que será candidato mesmo assim, mas parece enfraquecido.