Análise
Oscar Röcker Netto, chefe de redação da Gazeta do Povo
O cacife em jogo
Nos moldes como foi apresentada, a nomeação de Gleisi Hoffmann para a Casa Civil não resolve a principal fragilidade do governo Dilma Rousseff, a articulação política.
No discurso, Gleisi será a "Dilma da Dilma", ou seja: terá uma atuação mais técnica do que política no gerenciamento dos projetos de governo.
Tudo bem. Mas se for assim, o imbróglio continua. Dilma pode até começar a fazer o meio de campo com os políticos da base. Mas não gosta disso e ninguém sabe até que ponto ela consegue domar o próprio espírito para lidar com deputados e senadores sedentos. Ou melhor, todos sabem: o pavio é curto.
Há três possibilidades aventadas até agora: a presidente também substitui o inoperante ministro das Relações Institucionais, Luiz Sérgio; ela própria fará a articulação; ou fará dobradinha com a paranaense.
Se preponderar essa última hipótese, Gleisi ganha um campo de jogo promissor para ser mais do que uma gerente eficiente, no estilo do que Pedro Parente ou Clóvis Carvalho foram para FHC.
A mulher de Paulo Bernardo sabe ocupar espaços como ninguém, como mostrou nesses quatro meses de Senado. Por mais que reforcem seu currículo técnico (passou por secretarias de Mato Grosso do Sul e de Londrina, diretora financeira elogiada de Itaipu), a ministra tem considerável ginga política. E agora vai coordenar todos os ministérios. Se juntar a isso o bate-bola com a base no Congresso, vira uma gigante.
Seja como for, com Casa Civil "política" ou não, o sucesso capitalizará a ministra de forma muito consistente. O fracasso poderá levar o governo Dilma novamente à lona nessa eventualidade, é difícil dizer como e se o governo se recupera. Para se ter uma ideia do potencial de estrago, é só lembrar a tunda na votação do Código Florestal e como o PMDB domina diante de inseguranças.
A prévia do principal desafio da vida política da ministra promete. Foi na casa de Gleisi que Lula se reuniu com caciques petistas para analisar a crise há dias. Foi ali que Gleisi deu uma estocada figadal no então ministro.
Disse aos comensais que ele se enrolara por um projeto pessoal (leia-se: enriquecer), não partidário (leia-se: arrecadar para o time). Noves fora o aspecto ético do comentário, tirou um canhão do tailleur e fisgou o cargo.
O estilo do boxeador Muhammad Ali "flutua como uma borboleta, golpeia como uma vespa" continuará? Os próximos meses mostrarão se essa ginga é suficiente para o segundo cargo mais importante do governo. Agora, é o jogo jogado dos grandes; ela precisa provar que tem cacife federal.
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O principal impasse do governo de Dilma Rousseff, passado o furacão que derrubou o ministro Antonio Palocci, passa a ser a falta de alguém capaz de fazer a articulação política com o Congresso Nacional. O trabalho de Luiz Sérgio, ministro das Relações Institucionais, desagrada à maioria dos congressistas. A nova chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, já deixou claro que esse não será seu papel. E a presidente Dilma não parece ter disposição para negociar pessoalmente com os deputados e senadores. Até aqui, Palocci vinha sendo o único intermediário possível com o Parlamento.
A aposta mais frequente em Brasília é de que, nas próximas semanas, Luiz Sérgio dará o lugar a outro ministro, para que a pasta de Relações Institucionais possa fazer uma dobradinha com Gleisi. Ninguém sabe ainda quem será o substituto, mas imagina-se quais serão suas principais características: terá de ter jogo de cintura; conseguir a confiança dos parlamentares; e ter poder para conseguir o que os aliados de Dilma pedirem.
No Congresso, a impressão que Luiz Sérgio passa é sempre a mesma. "Uma ótima pessoa. Mas não consegue resolver nada", afirma o deputado Dilceu Sperafico (PP-PR). "Ele é uma pessoa belíssima. Mas lhe faltam a força, o carisma e o poder de articulação política", resume o deputado Reinhold Stephanes (PMDB-PR).
A reclamação dos deputados é de que os pedidos não são atendidos. Sperafico afirma, por exemplo, que os parlamentares vêm cobrando a liberação de dinheiro de emendas para municípios e não vêm conseguindo uma resposta. "Na época do Lula, às vezes o relacionamento também emperrava. Mas aí o próprio presidente pegava o telefone e resolvia. Com a Dilma, isso não acontece", diz Stephanes. Lula, aliás, teria sido chamado para conversar com deputados aliados para acalmar os ânimos em relação à articulação política.
De acordo com o cientista político David Fleisher, da Universidade de Brasília (UnB), a insatisfação dos parlamentares se deve em grande medida à demora do governo em preencher cargos de terceiro, quarto e quinto escalões. "Essas nomeações passam pela Casa Civil. O governo tem 25 mil cargos à disposição, e o não preenchimento desagrada aos aliados", disse.
Dentro do próprio governo, há sinais de que a situação atual não pode permanecer por muito tempo. "Neste momento, o que vai acontecer é que ele [Luiz Sérgio] tem que assumir mais tarefas", afirmava ontem um ministro muito próximo à presidente. "Alguma coisa tem que mudar. O sistema, do jeito que está, não dá", completou outro ministro.
Temer
Na avaliação do cientista político Rubens Figueiredo, da USP, em nome da governabilidade, a presidente terá de se render ao PMDB e às habilidades políticas de seu vice, Michel Temer. Figueiredo vê dificuldades do governo em equilibrar administração e política. "O Temer seria o melhor nome, ele tem mais vocação para isso", ponderou.
Depender de Temer, no entanto, talvez seja dar mais poder ao PMDB do que Dilma pretenda. E pode desagradar aos petistas. De qualquer jeito, os peemedebistas, que se reuniram na terça-feira para discutir o tema, já afirmaram que não pretendem ser surpreendidos, numa eventual troca de Luiz Sérgio, como foram na escolha de Gleisi.
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