O Estado brasileiro afirmou à Comissão Interamericana de Direitos Humanos da Organização dos Estados Americanos (OEA) que a Lei da Anistia impede a reabertura de uma ação criminal para investigar a morte do jornalista Vladimir Herzog.Em março deste ano, o Brasil foi denunciado na comissão e, por isso, foi obrigado a apresentar uma resposta oficial.
O caso foi levado ao organismo internacional por entidades de direitos humanos, como Centro pela Justiça e o Direito Internacional (Cejil)), Fundação Interamericana de Defesa dos Direitos Humanos (Fiddh) Tortura Nunca Mais e Instituto Vladimir Herzog.
Eles querem que o país investigue, processe e puna os responsáveis pela morte de Herzog. O jornalista foi assassinado nas dependências do Exército, em São Paulo, em 1975.
Em sua defesa, o Estado brasileiro argumentou que o Supremo Tribunal Federal decidiu recentemente manter a validade da Lei da Anistia. Isso impede que seja aberto um processo criminal. Além disso, citou a criação da Comissão da Verdade, que provavelmente vai analisar o caso para fazer um relato oficial.
O país também apresentou, em sua defesa, exemplos de "reparação" aos familiares do jornalista como um prêmio concedido, no ano passado, pela Presidência ao Instituto Vladimir Herzog. A resposta foi apresentada no começo do mês em um documento sigiloso de 40 páginas.
O documento revoltou os familiares do jornalista e as entidades envolvidas no caso. Eles leram trechos da resposta em uma coletiva de imprensa nesta quinta-feira (21).
A diretora do Cejil, Beatriz Affonso, afirmou que o argumento do Estado é o mesmo usado no caso do Araguaia. Para ela, é uma resposta contraditória com o discurso oficial do governo.
Em 2010, o Brasil foi condenado pela Corte Interamericana de Direitos Humanos da OEA por causa dos mortos e desaparecidos na guerrilha do Araguaia. A condenação foi um dos motivos para a criação da Comissão da Verdade.
"É muito frustrante que o Estado brasileiro dê a mesma resposta do caso do Araguaia após 17 anos", disse Affonso.O caso do Araguaia foi aberto em 1995 na comissão em que tramita a questão de Herzog. Como não houve decisão, ele foi para a Corte Interamericana.
"Eles reconheceram que não estão dispostos a mexer na Lei da Anistia", disse. Segundo ela, a jurisprudência da OEA é clara no sentido de que leis de anistia, como a brasileira, não podem ser usadas para impedir o condenações de envolvidos em crimes como o de Herzog.
Para o filho do jornalista, Ivo Herzog, a resposta foi um absurdo. "Com essas afirmações, eles estão nos desclassificando. O Estado tem que se retratar com relação a isso", disse.Ele afirmou que está disposto a devolver o prêmio dado pelo governo ao instituto. "Parece que recebemos uma bênção do Estado para fazer o instituto."
Um dos motivos para a ação na OEA é que até hoje o atestado de óbito de Herzog aparece como "suicídio". O documento foi anexado na defesa do Brasil na comissão, o que deixou a família mais revoltada.A versão de suicídio foi apresentada pelo Exército. Ela começou a ser contestada logo no dia da morte de Vlado --apelido do então diretor de jornalismo da TV Cultura.
Segundo testemunhas, depois comparecer espontaneamente no DOI-Codi de São Paulo para prestar depoimento, Herzog morreu após ser barbaramente torturado. Depois, os agentes da repressão armaram a cena para tentar simular o suicídio.
Um inquérito militar instaurado ainda em 1975 confirmou a versão de que o jornalista teria se matado. Mas em 1978 a Justiça condenou a União pelo assassinato de Vladimir Herzog.
Nos últimos 20 anos, contudo, duas ações foram propostas para apurar as circunstâncias do assassinato, mas em ambos os casos a Justiça arquivou as investigações com base na Lei da Anistia e no argumento de que o crime prescreveu.
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