Mesmo após o plenário da Câmara rejeitar na véspera o financiamento privado das campanhas políticas, o presidente da Casa, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), quebrou um acordo político que havia feito e, com o apoio da oposição, aprovou nesta quarta-feira (27) a inclusão na Constituição da permissão de doações eleitorais de empresas. Foram 330 votos a favor, 22 a mais do que o mínimo necessário (308), contra 141 votos. Houve 1 abstenção.
Na terça, o plenário havia dado um apoio insuficiente para aprovar a medida -266 votos, 44 a menos do que o necessário para que haja mudanças na Constituição.
Com a expectativa de que aprovaria a medida com folga, Cunha havia acertado com os partidos que aquela seria a única votação sobre o tema. Ao ser derrotado, porém, recuou nesta quarta e disse ter se equivocado na véspera.
A proposta terá que ser votada ainda em segundo turno na Câmara e, após isso, segue para o Senado. Lá também precisa ter o apoio de pelo menos 60% dos senadores para entrar em vigor.
A medida insere na Constituição a permissão de as empresas doarem exclusivamente para os partidos políticos, que repassariam os recursos para os candidatos. Os políticos poderão receber diretamente o dinheiro doado por pessoas físicas. Lei posterior poderá ser editada para estabelecer novos limites às doações e ao gasto de cada campanha. Hoje já há limite para as doações de empresas privadas e de pessoas físicas.
A medida traz ainda o risco da volta das chamadas doações ocultas, já que não há no texto a determinação de que haja a declaração detalhada da origem e do destino das doações recebidas, como ocorre hoje.
Durante todo o dia Cunha pressionou os seus aliados a angariar os votos que faltaram na véspera, inclusive dentro do PMDB, que havia registrado 14 traições. E voltou a afirmar às pequenas legendas, segundo deputados, que um voto contrário representaria a aprovação nos próximos dias da proposta de endurecimento das regras para a subsistência dos nanicos.
O PRB, que na véspera havia votado em peso contra o financiamento privado, mudou de posição. Segundo Celso Russomanno (SP), houve aceitação na legenda à restrição das doações aos partidos. Com isso, o partido foi o autor da redação que acabou sendo aprovada.
Julgamento
O objetivo declarado da medida é tentar barrar a tendência de o STF (Supremo Tribunal Federal) proibir o financiamento privado das campanhas. O tribunal já formou maioria nesse sentido, mas o julgamento está suspenso desde o ano passado por um pedido de vista do ministro Gilmar Mendes. Nesta quarta, Mendes afirmou que devolverá o processo para julgamento até o final de junho.
Hoje as empresas são as principais responsáveis por injetar dinheiro nas campanhas. Os candidatos recebem também recursos públicos para bancar suas candidaturas.
Em votações prévias, o plenário rejeitou nesta quarta o financiamento privado feito exclusivamente por pessoas físicas -foram 240 votos contra e 163 a favor (houve 66 abstenções)- e o financiamento público exclusivo das campanhas -343 votos contra e 56 a favor (58 abstenções).
O financiamento público é uma bandeira do PT, mas nunca houve real chance de aprovação na Câmara. Por isso o partido decidiu orientar sua bancada a se abster na votação.
Dono da bola
A quebra do acordo patrocinada por Cunha foi criticado pelos partidos de esquerda. “O Eduardo Cunha perdeu o jogo, mas é o dono da bola. Aí diz: ‘Eu não gostei do resultado, vamos jogar de novo’. Não dá. Se aprovarmos isso, vamos colocar na Constituição a seguinte inscrição: ‘Pode continuar com o escândalo da Petrobras’“, protestou o deputado Júlio Delgado (PSB-MG).
“Havia um acordo, agora vamos mudar? Isso é um escândalo. Não pode, senão ninguém segura mais nada”, reclamou José Guimarães (PT-CE), líder do governo na Casa. Após os escândalos do mensalão e do petrolão, o PT adotou o discurso de que a corrupção tem como berço o financiamento privado das campanhas. “Não me venham falar que a corrupção nasce do financiamento empresarial das campanhas. A corrupção existe porque há bandidos, corruptos e corruptores”, rebateu Marcos Pestana (PSDB-MG), um dos tucanos mais próximos a Aécio Neves, presidente nacional do PSDB. “O PT vai ficar pobre [com o fim do financiamento privado], porque é muito dinheiro que ele tem pra receber das empresas fornecedoras da Petrobras”, acrescentou o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ).
A reforma política patrocinada por Cunha e pelo PMDB começou a ser votada na terça com uma derrota do presidente da Casa. O modelo eleitoral que defendia, o “distritão”, foi rejeitado pelo plenário com uma margem de quase 100 votos de diferença. Cunha disse que não foi ele o derrotado, mas o povo brasileiro, já que a Câmara teria demonstrado que não quer nenhum tipo de reforma política.
A Câmara deve votar ainda nesta quarta-feira a proposta de fim da reeleição para presidente da República, governadores e prefeitos. Caso a medida passe, será votado projeto de ampliação dos atuais mandatos de quatro para cinco anos.