O candidato que deixar de declarar à Justiça Eleitoral qualquer doação seja em dinheiro ou em forma de bens ou serviços que obteve durante a campanha corre o risco de ter sua prestação de contas considerada irregular. Essa irregularidade, além de tornar o candidato inelegível para as próximas eleições, também pode implicar na cassação do mandato caso seja comprovada captação ilícita de recursos para fins eleitorais, o chamado caixa 2. A sanção também pode ser aplicada quando o pagamento de gastos eleitorais não tiver origem na conta bancária criada especificadamente pelo candidato para a campanha.
A opinião é de especialistas em Direito Eleitoral consultados pela Gazeta do Povo. Eles também afirmaram que, juridicamente, não existe a figura de "comitê independente". Pelo menos não na forma como Alexandre Gardolinski apresenta o Comitê da Lealdade, criado para dar apoio à candidatura de Beto Richa em 2008.
Os especialistas falaram em tese e não tinham conhecimento sobre esse caso específico. Mas todos foram categóricos ao afirmar que qualquer prestação de serviço precisa ser contabilizada pelo comitê financeiro de campanha o que não ocorreu, segundo Gardolinski.
De acordo com o ex-ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) Walter Ramos Porto, "tudo que está no subterrâneo", ou seja, todo gasto ou doação de campanha que não é declarado, pode ser considerado caixa 2. Ele afirma que o candidato corre o risco de perder o cargo, se for comprovado abuso do poder econômico. O advogado Arthur Rollo pondera que a cassação é rara, pois é preciso que fique configurado abuso do poder econômico de tal forma que influencie no resultado da eleição.
"Qualquer comitê deve declarar suas despesas como se fosse uma doação ao candidato", diz o advogado Carlos Alberto Mariano, que faz parte do Comitê de Direito Político e Eleitoral da seccional São Paulo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB-SP). Questionado se um comitê formado por políticos de um partido A, que trabalha na campanha de um candidato B, poderia se chamar de "independente", ele respondeu: "Isso é totalmente vedado". De acordo com o artigo 18 da Resolução nº 22.715/2008 do TSE, que regulou a arrecadação da campanha eleitoral de 2008, "as doações realizadas entre candidatos e comitês financeiros deverão fazer-se mediante recibo eleitoral".
Identificação
A prestação de contas de uma campanha eleitoral precisa apresentar todos os bens e serviços utilizados, com identificação do CPF ou CNPJ da pessoa ou empresa responsável. "Se não há isso, há ilegalidade", acrescenta Mariano. Além disso, a resolução do TSE só permitia doação via cheque, e não em dinheiro vivo, mesmo que o valor fosse irrisório. "Qualquer dinheiro que não obedece a essa regra constitui doação ilegal."
De acordo com Arthur Rollo, não é necessário que o nome de cada pessoa que atuou em nome de um candidato apareça na prestação de contas. "Mas algum responsável, que pode ter pago remunerações do próprio bolso, precisa constar no levantamento entregue à Justiça Eleitoral."
Nas contas de campanha apresentadas por Beto Richa e pelo comitê financeiro do PSDB, disponíveis no site do TSE, há apenas duas pessoas que têm relação com o Comitê Lealdade: Manassés Oliveira (exonerado da prefeitura de Curitiba na quinta-feira) e Nelson Brero (que é citado na gravação do vídeo). Manassés aparece como credor de R$ 6,9 mil. Segundo ele, esse dinheiro equivale à cessão de um carro de som no período eleitoral. Brero, que, aparentemente não tem relação com o PRTB, recebeu R$ 245. Nenhuma outra pessoa desse comitê, nem mesmo o coordenador, Gardolinski, consta na prestação de contas.
Em algumas situações, segundo Carlos Alberto Mariano, é possível que o candidato alegue desconhecimento de determinados escritórios políticos criados em seu nome. Mas esse não é o caso do Comitê Lealdade, cuja inauguração contou com a presença do então candidato Beto Richa.
Cassação
"Em tese, há possibilidade de cassação do mandato", diz Rollo. Mas ele pondera: "É preciso comprovar que esse tal comitê independente influenciou no resultado da eleição". Beto Richa, que despontava como favorito antes mesmo do período eleitoral, venceu a disputa pela prefeitura de Curitiba no 1º turno, com 77,2% dos votos. A campanha de reeleição de Richa custou R$ 6,8 milhões. O candidato informou ter obtido doações que totalizaram R$ 6,9 milhões os cerca de R$ 8 mil restantes foram destinados ao fundo do PSDB, conforme determina a legislação eleitoral.
Colaborou Caroline Olinda
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