A Assembleia Legislativa “devolveu” nesta quarta-feira (14) R$ 245 milhões de sobras orçamentárias, ao governo do Paraná, numa cerimônia com direito a cheque gigante que já se tornou tradicional e em que os parlamentares almejam mostrar ao contribuinte que foram austeros no uso do dinheiro público.
Na verdade, uma análise criteriosa dos números mostra que, entre 2010 e 2016, as receitas consignadas à Assembleia mais que dobraram, saltando de R$ 304 milhões para R$ 657 milhões.
Não só isso: cresceram também as despesas. Segundo relatórios entregues ao Tribunal de Contas do Estado (TC-PR), em 2014, o Legislativo gastou R$ 329 milhões; em 2015, R$ 355 milhões. Este ano, segundo a assessoria de imprensa da casa, o orçamento sofreu contingenciamento e R$ 38 milhões do total foram retidos pela Fazenda. Com isso, o total recebido pela Assembleia caiu para R$ 619 milhões, ante despesas que somam R$ 374 milhões. Em termos percentuais, a “economia” foi de 40% do orçamento há dois anos, 44% no ano passado e atinge seu menor patamar agora, em 2016.
Deputados querem carimbar destinação do recurso devolvido
De autoria dos deputados Ademir Bier (PMDB) e Tercilio Turini (PPS), tramita na Assembleia desde 11 de outubro passado projeto de lei que propõe indicar o destino do uso das verbas devolvidas pela assembleia ao Executivo.
De acordo com o projeto, que ainda nem passou pelas comissões da casa, os recursos devolvidos “serão utilizados exclusivamente em mutirões de atendimento à saúde em cirurgias eletivas nos Municípios do Estado do Paraná”, segundo divisão de aplicação nos municípios atendendo “critério de proporcionalidade, de acordo com o número de habitantes”.
Os R$ 245 milhões que o presidente da casa, Ademar Traiano (PSDB), entregará ao colega de partido, o governador Beto Richa (PSDB), representam 39% da fatia do orçamento entregue ao parlamento – R$ 619 milhões. Quer dizer: em um estado que admite não ter dinheiro para pagar o reajuste prometido do salário dos servidores, o Legislativo recebe mais dinheiro do que precisa para dar conta de seus gastos.
A distorção ocorre porque a divisão do bolo orçamentário, entre os Três Poderes, tradicionalmente obedece um preceito constitucional: 5% de todo o dinheiro disponível é do Legislativo, repartidos entre a Assembleia (3,1%) e TC-PR (1,9%) – que, apesar do nome, é subordinado ao parlamento.
Mantida para 2017, a fórmula garantirá à Assembleia um repasse R$ 560 milhões. O valor é cerca de 15% menor que o orçamento da desse ano, e 12% menor que o de 2015. Ainda assim, deve ser suficiente para que a cerimônia de devolução de dinheiro se repita em dezembro do ano que vem.
Além disso, a redução do orçamento do parlamento em 2017 dificilmente irá impor medidas de austeridade nos gastos da Casa, já que, na série histórica, há mais dinheiro disponível do que gastos previstos.
Segundo o site Gestão do Dinheiro Público, do governo estadual, de janeiro a outubro de 2016 a Assembleia realizou pagamentos de serviços e compras que ultrapassavam R$ 55 milhões, maior valor dos últimos quatro anos. Para comparar, em 2015, foram R$ 41 milhões; em 2014, R$ 40 milhões.
De janeiro e outubro, foram cerca de R$ 3 milhões em diárias, ajuda de custo de viagens, hospedagens e passagens aéreas e terrestres. O valor é similar ao gasto em todo o ano de 2015 nas mesmas rubricas.
As passagens e diárias de viagens são pagos aos servidores e parlamentares em missão oficial de representação da Assembleia. Em 2015, os gastos vão desde R$ 176, em passagem para participação de evento de formação no governo federal, em Brasília, até R$ 20 mil para viagem à China, R$ 11 mil para Barcelona, Moscou e São Petersburgo e R$ 10 mil para o Japão.
A devolução de parte do recurso para o governo do estado começou em 2011, quando era presidente o atual secretário da Casa Civil, Valdir Rossoni (PSDB). À época, R$ 90 milhões retornaram aos cofres do executivo. De lá pra cá, contando com a devolução deste ano, já foram R$ 1,1 bilhão, quase o dobro do orçamento previsto para 2017.
Legislativo sobreviveria a orçamento menor
O valor que será devolvido pela Assembleia ao governo do estado indica que, se houvesse um corte de 40% no orçamento para 2017, os deputados sobreviveriam ao ano sem atropelo nas contas. Única ressalva: a redução colocaria a Casa próxima ao limite prudencial com gastos de pessoal, estabelecido pela Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF).
Segundo dados do portal da transparência da Assembleia, a casa tinha 1.950 servidores ativos e inativos em novembro, 30 a mais que na mesma época de 2015. O aumento, no entanto, foi apenas nos cargos em comissão – há cerca de 60 a mais que no ano passado. Em contrapartida, o número de servidores efetivos, pensionistas, inativos e servidores cedidos de outros órgãos reduziu-se me cerca de 5%.
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