Brasília tornou-se um circo. E o picadeiro está montado no Congresso Nacional. Em meio a uma crise política sem precedentes, uma série de reviravoltas deu novos rumos ao processo de impeachment contra Dilma Rousseff (PT), o devolveu ao estágio anterior e deixou um rastro ainda maior de instabilidade no cenário político nacional.
Numa decisão surpreendente, o presidente interino da Câmara, Waldir Maranhão (PP-MA), anulou a votação do impedimento da petista na Casa, ocorrida em 17 de abril. Tão surpreendente foi, 12 horas depois, Maranhão voltar atrás e revogar a própria decisão. Ao atear fogo na lona que cobre o Parlamento brasileiro, o deputado deixou a todos incrédulos – até mesmo os colegas parlamentares – e abriu de vez o caminho para a judicialização do processo, jogando o país ainda mais na incerteza.
CRONOLOGIA: O confuso dia em Brasília, hora a hora
Os desdobramentos da decisão de Maranhão escancaram o caos que se instalou no Brasil no atual mandato. A Mesa Diretora e a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara rapidamente passaram a estudar meios de revogar o ato de seu comandante “tampão”. Paralelamente, nos bastidores o PP, partido do parlamentar, o ameaçou do expulsão, o que custaria o seu mandato - e acabou sendo decisivo para o recuo histórico.
No Senado, o presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), ignorou a anulação da sessão do impeachment na Câmara e deu prosseguimento ao processo, mantendo a votação da abertura do processo contra Dilma em plenário para a próxima quarta-feira (11) – a oposição já tem os votos suficientes para afastá-la temporariamente do cargo.
Diante da decisão do peemedebista, Waldir Maranhão e o Palácio do Planalto adiantaram que recorreriam ao Supremo Tribunal Federal (STF) para evitar que o Senado siga analisando o processo do impeachment. Na trincheira oposicionista, a intenção era contrária: também ir ao STF, mas para derrubar o ato do presidente interino da Câmara. Planos que perderam efeito no fim da circense segunda-feira em Brasília.
Polêmica
Alçado à Presidência da Câmara na última quinta-feira (5) após o Supremo afastar Eduardo Cunha (PMDB-RJ) do comando da Casa e também do mandato, Maranhão cumpriu a promessa feita aos colegas de que se surpreenderiam com as decisões dele.
Ao acolher parte dos argumentos da Advocacia-Geral da União (AGU) no pedido de anulação das sessões que trataram do impeachment, ele considerou que “não poderiam os partidos políticos ter fechado questão ou firmado orientação para que os parlamentares votassem de um modo ou de outro, uma vez que, no caso, deveriam votar de acordo com as suas convicções pessoais e livremente”.
Para ele, os deputados também não deveriam ter declarado antecipadamente o voto porque isso caracteriza “prejulgamento e clara ofensa ao amplo direito de defesa que está consagrado na Constituição”. Além disso, alegou que a defesa de Dilma deveria ter sido a última a falar durante a sessão, o que não ocorreu.
No ato, Maranhão pedia que o Senado devolvesse o processo a Câmara, para que a Casa possa deliberar novamente sobre o assunto em até cinco sessões.
No entanto, ao ignorar o pedido, Calheiros classificou a decisão como “brincadeira com a democracia” e justificou que não poderia “ficar comprometido com o atraso do processo”. Em resposta, Maranhão declarou que apenas obedece às leis do país. “A nossa decisão tem base na Constituição, no nosso regimento, para que nós possamos corrigir em tempo vícios que certamente poderão ser insanáveis no futuro. Tenho consciência de como esse momento é delicado. Momento em que temos o dever de salvarmos a democracia pelo debate”, rebateu.
Horas depois, acabou dando razão ao presidente do Senado. Em seu lacônico ofício de quatro linhas, apenas informa a revogação da decisão, sem dar grandes satisfações ao respeitável público.
“Revogo a decisão por mim proferida em 9 de maio de 2016, por meio da qual foram anuladas as sessões do plenário da Câmara dos Deputados ocorridas nos dias 15, 16 e 17 de abril de 2016, nas quais se deliberou sobre denúncia por crime de responsabilidade número 1 de 2015”, escreveu, em ofício que ainda precisava ser publicado para ter validade oficial.
Cronologia de um dia bagunçado em Brasília
12h - Atendendo a um pedido da Advocacia-Geral da União (AGU), o presidente em exercício da Câmara dos Deputados, Waldir Maranhão (PP-MA), anula a sessão em que houve a votação do impeachment da presidente da República, Dilma Rousseff, ocorrida nos dias 15, 16 e 17 de abril. A informação “cai como uma bomba” no Congresso Nacional, já que o plenário do Senado se prepara para votar na quarta-feira (11) a admissibilidade do processo de impeachment, fato que pode gerar o afastamento por até 180 dias da presidente Dilma.
14h - O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), é notificado da decisão no final da manhã e imediatamente convoca uma reunião de emergência com os líderes para analisar o assunto. O Senado abre sessão no início da tarde sob a expectativa em torno do peemedebista, que só chegou no local por volta das 16 horas ao plenário. Ao mesmo tempo, no Palácio do Planalto, representantes de movimentos sociais contra o impeachment ocupam parte do segundo andar do Palácio do Planalto. Aos gritos de “ocupa e resiste”, o grupo decidiu permanecer no Planalto após cerimônia com anúncio da assinatura de um projeto de lei para a criação de cinco universidades federais.
15h - Ao longo da tarde, partidos de oposição anunciam que vão ao Supremo Tribunal Federal (STF) questionar a decisão. Maranhão também é alvo de ataques da oposição: o grupo afirma que o deputado federal não tem condição de comandar a Câmara dos Deputados e que vão entrar no Conselho de Ética por quebra de decoro, o que pode render a cassação do mandato do pepista. O PP, partido de Maranhão, também cogita a expulsão do filiado. Do outro lado, aliados da presidente Dilma passam a defender Maranhão.
16h - O deputado federal Eduardo Cunha (PMDB-RJ), afastado do mandato pelo STF na semana passada, deu publicidade a um parecer de sua autoria sobre o pedido da AGU que, segundo ele, estava pronto e seria apresentado no dia em que a Corte o tirou do cargo. O parecer de Cunha rejeitava o pedido da AGU para anular as sessões do impeachment sob o argumento de que não cabe recurso da decisão do plenário da Casa.
17h - No final da tarde, Renan Calheiros comunica no plenário do Senado que rejeita a decisão de Maranhão, por considerá-la “intempestiva”, e provoca reação de aliados da presidente Dilma, que contestam a posição do peemedebista. A sessão chegou a ser interrompida por causa do tumulto. A sessão avançou para noite, em clima quente.
18h - Ao lado de parlamentares aliados da presidente Dilma, Maranhão faz um pronunciamento rápido para a imprensa na sala da presidência da Casa, retificando sua decisão favorável à AGU. Ele ignora o fato de o presidente do Senado ter rejeitado sua decisão e vai embora da sala sem abrir a perguntas da imprensa. A coletiva ainda terminou tumultuada: o microfone abandonado por Maranhão foi disputado pelos deputados federais Marcelo Aro (PHS-MG) e Jandira Feghali (PCdoB-RJ). O primeiro para atacar Maranhão e a segunda para defender o pepista.
19h - Aliados da presidente Dilma confirmam que vão “judicializar” o processo de impeachment, diante da negativa do Senado em acatar a decisão do presidente em exercício da Câmara dos Deputados. Opositores protocolam a representação contra Maranhão no Conselho de Ética. Motoristas que passam nas ruas ao lado do Congresso Nacional fazem “buzinaço”.
0h- Waldir Maranhão resolve revogar a própria decisão que anulou as votações do impeachment na Câmara. O medo de ser expulso do partido – e perder o mandato – pesou no recuo, apesar dos apelos de governistas para que ele mantivesse a suspensão.