A ex-ministra do Meio Ambiente e ex-senadora pelo Acre Marina Silva disse nesta quarta-feira (25) que a aprovação do novo Código Florestal é "um dos maiores retrocessos que já vi acontecer no Brasil". Ela lamentou que o país esteja prestes a destruir um arcabouço legal de proteção às florestas que foi construído durante mais de 30 anos. "Estamos tornando o ilegal legal", disse.
Ela agora espera que o Senado modifique o texto ou que, em último caso, a presidente Dilma Rousseff vete o texto, caso permaneça como está. "Ela disse [na reunião que teve com ex-ministros do Meio Ambiente] que vetaria qualquer texto que levasse ao perdão de desmatadores e que promovesse o aumento do desmatamento", afirmou Marina.
A ambientalista lembrou de quando foi ministra, da dificuldade que teve para implantar medidas de redução da devastação: "Conseguimos desassociar agricultura do desmatamento. Calamos a boca dessas pessoas. Foi muito trabalho. Isso levou a uma fúria muita grande dos setores contraventores". Segundo ela, o aumento no desmatamento em Mato Grosso sinaliza que "voltamos ao pior dos mundos".
"Guerra antiambiental"
A ex-senadora criticou também a aprovação da emenda 164, de autoria do deputado Paulo Piau (PMDB-MG), que estende aos estados o poder de decidir sobre atividades agropecuárias em áreas de preservação permanente (APPs).
"Essa emenda que transfere aos estados a responsabilidade é o tiro de misericórdia. Cada governador agora vai dizer como é sua regra particular", comentou. Na opinião de Marina, a aplicação dessa regra pode levar a uma competição entre os estados para flexibilizar suas restrições ambientais e atrair investimentos do agronegócio. "Lembra a história da guerra fiscal? Agora vai ser a guerra antiambiental", diz.
A aprovação do novo Código Florestal na Câmara dos Deputados, que aconteceu na madrugada desta quarta-feira (25), foi comentada por entidades e políticos. Veja abaixo o que foi dito sobre o tema:
Adalberto Veríssimo, da ONG Imazon
"A medida não é ruim apenas do ponto de vista ambiental, mas do ponto de vista econômico, com prejuízo sempre associado a subdesenvolvimento do país. E a preocupação final é o risco de o Brasil sofrer revezes internacionalmente. A imagem vai ficar arranhada", avalia. "O código precisa ser modernizado, e não destroçado. Acho que a realidade vai se impor. Esperava um comportamento racional da Câmara", complementa.
Confederação da Agricultura
"Venceu a legalidade", afirmou em nota a Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA). O texto, assinado pela senadora Kátia Abreu (DEM - TO), presidente da entidade, define o código como "uma das leis mais difíceis, delicadas e imprescindíveis já aprovadas pela Câmara dos Deputados".
Márcio Santilli, sócio-fundador eda ONG Instituto Socioambiental
"O que a Câmara aprovou equivale a uma revogação do Código Florestal. É de alta irresponsabilidade o que a Casa decidiu. Vendeu o seu próprio peixe para a galera ruralista, colocando a presidente em uma posição de ter que vetar", afirmou.
Janaína Pickler, assessora ambiental da Federação de Agricultura e Pecuária de Mato Grosso do Sul (Famasul)
Ela disse que a aprovação do texto-base é considerada uma vitória. Mesmo concordando com uma legislação específica para o Pantanal, Janaína avaliou que o texto respeita o que já existe na região. "O código vem para regulamentar uma situação que existe há 200, 300 anos, não há como introduzir outro tipo de pecuária diferente do que é feito".
Alessandro Menezes, diretor-executivo da SOS Pantanal
Ele avaliou que a legislação abre precedente para "produção irresponsável". "É uma perda significativa, temos que entender os sinais da votação do código", disse Menezes, explicando que acredita ter ocorrido uma derrota das políticas ambientais e que isso pode indicar o início de legislação que "pode facilitar a produção irresponsável no País".
Geraldo Alckmin (PSDB), governador de São Paulo
Ele disse que deve caber aos estados decidir sobre as áreas de preservação permanente (APPs) e criticou o que chamou de "centralismo" por parte do governo federal. "Não deve a União fazer o que os Estados podem fazer", disse Alckmin. "República federativa no papel. O Brasil não é uma federação. É o sistema mais centralizado que existe. Isso não funciona, só em país pequenininho. É preciso descentralizar, fortalecendo o governo local", criticou o governador durante o BIOSforum, encontro de governadores para discutir oportunidades sustentáveis na capital paulista.
Marconi Perilo (PSDB), governador de Goiás
Para ele, a aprovação do projeto foi uma demonstração da desarticulação da base governista no Congresso e disse que a bancada do agronegócio está entrosada e tem defendido seus interesses. "Nós percebemos essa articulação do agronegócio, ao mesmo tempo em que se percebe uma falta de entrosamento do governo", afirmou durante o BIOSforum, evento que vai até quinta-feira (26) no Jockey Club, em São Paulo.
Roberto Smeraldi, diretor da organização Amigos da Terra
Considera que o novo Código Florestal "é prejudicial porque desmoraliza a norma, cria a ideia das anistias, do fato consumado". Ele criticou o argumento usado por ruralistas que dizem que "todos os produtores estão na ilegalidade" com a atual legislação ambiental. "Não é verdade. Os agricultores que estão com grandes passivos são muitos, mas não são a maioria. Isso é para justificar as anistias. Até porque tem muitos produtores que investiram expressivamente em regularização".
André Puccinelli (PMDB), governador de Mato Grosso do Sul
Afirmou que a aprovação da emenda 164, que pode anistiar grandes desmatadores, tem que ser avaliada de forma individual e que cada estado deve fazer sua própria legislação a respeito." Temos que ter bom senso neste caso. É bom lembrar que há anos o próprio governo incentivou a entrada da agricultura nas áreas de floresta. Esses proprietários, que antes não eram criminalizados, não podem ser agora tratados como criminosos", afirmou Puccinelli.
Márcio Lopes de Freitas, presidente da Organização das Cooperativas Brasileiras (OCB)
Na opinião de Freitas, a aprovação foi a evolução de um processo de discussão que dura mais de dez anos. "Há dois anos, tínhamos 27 pontos de polêmica. Houve concessões tanto do lado agrícola quanto ambientalista, e no relatório do [deputado] Aldo Rebelo (PCdoB-SP) sobraram dois pontos polêmicos".
Para o presidente da OCB, a dispensa prevista no projeto aos pequenos produtores (de 20 a 400 hectares) de reflorestar reserva legal desmatada ilegalmente é positiva e representa uma "racionalização" da questão.
"Eu tenho 72 hectares de produção orgânica e gado, e, pela atual legislação, eu tenho que repor 20% dessa área desmatada há cinco décadas por outra pessoa. Tenho que replantar floresta que não fui eu que tirei, e hoje está com café em cima, com horta. Nós estávamos nos preparando para isso. Agora a legislação (do novo Código) vem dizer que você continua precisando fazer reserva, mas dentro de um plano de recuperação ambiental. (...) Terá que consultar o órgão competente e perguntar o que se pode plantar naquela área para ser sustentável, eles vão monitorar como isso vai ser feito, se usará agrotóxico.. Com isso eu ainda terei as reservas legais, mas de uma maneira mais racionalizada", afirmou ao G1.
Paulo Adário, diretor da campanha da Amazônia do Greenpeace
Disse que a votação saiu melhor para os ruralistas do que eles esperavam. "É uma surpresa até para a Kátia Abreu". Em sua opinião, o texto "desmoraliza 40 anos de construção de uma política ambiental no Brasil" e acena aos infratores com futuras anistias para crimes ambientais. Ele acredita que, por ter ganho mais relevância para a opinião pública, o texto deve ser analisado de forma mais cuidadosa no Senado, que vai preparar um texto mais aceitável para todos, para que a presidente Dilma não tenha de recorrer ao veto.
Anivaldo Miranda, superintendente da Secretaria de Meio Ambiente de Alagoas
"Acho que é lamentável que a maioria do Congresso Nacional tenha optado por um modelo atrasado de produção agrícola. Ontem [terça-feira (24)] foi um dia de luto para o povo brasileiro. O código vai destruir a legislação ambiental", afirmou Miranda.
O superintendente disse que houve desvios de discussão sobre o assunto. "O debate sobre os ladrões de terras públicas foi abortado. A agricultura brasileira não precisa de mais terra, precisa de mais água e mais tecnologia. Não adianta fazer assentamentos em terras inóspitas. Interessa a quem manter essa produção agrícola extensiva, improdutiva, que quer crescer ao preço da derrubada de florestas?"
Ele disse que a aprovação do Código Florestal foi um retrocesso. "A polêmica criada sobre o novo código não se resumia apenas a um pseudo embate entre radicais ambientalistas e ruralistas conservadores, mas (...) a manutenção das conquistas inseridas no antigo código, principalmente com relação a manutenção das matas ciliares, das APPs, não são apenas do interesse da preservação e da conservação ambientais, mas do interesse da própria estabilidade do processo produtivo agrícola."