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A dúvida existencial do Exército brasileiro completa hoje um ano. Em 21 de maio de 2010, uma notícia publicada no jornal O Estado de S. Paulo dava conta de que o site da instituição dizia com todas as letras que o golpe de 1964 tinha sido uma "opção pela democracia". Não pegou bem, claro. Na dúvida sobre o que fazer, o Exér­­cito tomou a seguinte decisão: não fez nada.

Ou melhor. Fez uma única coisa. Tirou o texto da polêmica do ar. Isso foi em setembro, há oito meses. Desde lá, a página destinada ao histórico da força informa apenas o seguinte: "conteúdo em atualização. Aguarde!". Quem resolver aguardar deve pegar um banquinho. O tempo transcorrido desde que o texto sumiu é quase suficiente para gestar um ser humano, mas não foi suficiente para gerar uma simples linha de texto no site. Continua lá a informação de que, em breve, saberemos qual foi a verdadeira história do nosso Exército.

O site, na verdade, é só a parte visível do que está acontecendo. Neste ano, vários fatos mostraram que dentro do Exército ainda há forças tentando revisar a História do país de modo que os golpistas que tiraram João Goulart do poder – e os que vieram depois desses – saiam no retrato como heróis e como democratas. Talvez sejam os últimos estertores da geração de 64. Mas estão sendo barulhentos.

O ruído maior veio em 31 de março. Em anos passados, os militares usavam a data para lembrar a derrubada de Jango. Neste ano, veio uma ordem de cima impedindo que isso acontecesse. Houve fúria, mas silenciosa, já que os da ativa não podem se manifestar contra seu chefe.

O general Augusto Heleno, um dos defensores do golpe, tinha inclusive preparado uma palestra sobre a "contrarrevolução" para o dia 31. O comandante-geral, general Enzo Peri, mandou-lhe um recado recomendando que os elogios ao golpe não seriam tolerados. A palestra foi cancelada.

Coincidência ou não, numa cerimônia de promoção de oficiais, logo a seguir, os militares usaram uma brecha legal para não bater continência a Dilma. A ausência do cumprimento oficial (mais uma coincidência?) foi aprovada em fins de 2010. Logo após Dilma, que combateu os militares quando era jovem, ter sido eleita para a Presidência.

Nesta semana, Augusto He­­leno, agora já reformado, voltou à carga. Deu entrevista afirmando que a Comissão da Verdade, que deverá ser criada para apurar crimes políticos da ditadura, mesmo sem poder puni-los, vai acontecer, já que foi determinada por Dilma. Mas foi incisivo. "Há resistências" dentro das Forças Armadas.

As "resistências" vêm dos mesmos que colocaram os elogios ao golpe na internet. "Eles não vão colocar as mãos para frente e esperar ser algemados", disse recentemente o coronel Geraldo Cavagnari, da Unicamp, analista de estratégia militar. (O sentido é puramente retórico, já que a Lei da Anistia não permite punição a ninguém, quanto mais algemas. Deixemos esse tipo de rigor punitivo para os argentinos...)

Ninguém sabe até agora quem vencerá o cabo de guerra. A presidente hoje é quem manda. Se os militares mais jovens e o comando escolhido por ela forem fortes, o site em breve terá um texto sobre a história do Exército sem elogios à ditadura. Do outro lado, porém, parece haver militares de outra linha cantando, baixinho, numa ironia do destino, que, apesar de Dilma, amanhã há de ser outro dia.

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