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A cena se passa numa espécie de porão: vários homens, todos engravatados, se reúnem em torno de um telefone. Num canto, amarrado e amordaçado, está um garotinho, com uma camiseta onde se lê o número "540". No telefone, os homens dizem o que querem: "Seguinte, Dilma. Só liberamos o mínimo quando você nos entregar o segundo escalão".

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A charge, assinada pelo cartunista Dálcio, de Campinas, é mais uma das que tentam retratar a fúria do PMDB pelos cargos no governo federal. Nos últimos tempos, os peemedebistas foram o prato predileto de nove entre dez chargistas no país. E sempre aparecem nessa condição: de perversos donos do poder gulosos por mais e mais sinecuras.

No caso da cena do garoto amordaçado, o partido ganha uma outra fama, um pouco mais pesada. A de chantagista. Ao "sequestrar" o mínimo, o partido realmente tentou colocar o governo de Dilma Rousseff contra a parede. Se ela não fizer o que o PMDB quer (entregando a eles estatais, empresas de energia, usinas, etc.), o governo pode acabar antes de começar.

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Sem o PMDB, Dilma perde força no Congresso, não passa o que precisa, e, pior, vê passar o que não pretendia. No caso do salário mínimo, se o PMDB conseguisse forçar um valor muito maior, estragaria os planos de Dilma de impedir o aumento da dívida pública. Pode-se concordar com a ideia de reduzir os gastos ou achar que um mínimo maior seria justo. O que não dá para concordar é que um partido político se preste a fazer chantagem. Que se preste a usar o bolso de cada um de nós como margem de manobra para conseguir postos chave para suas negociações futuras.

Ao que consta, a ideia do sequestro partiu de José Sarney, um homem que não parece ter o mínimo pudor de fazer o que for necessário para ficar no poder. Enquanto havia ditadura, ficou do lado dos militares. Quando viu que a democracia venceria, virou o cocho e se bandeou para o outro lado. Quando o presidente era do PSDB, fez acordo com Fernando Henrique. Quando o poder passou para o PT, o ex-integrante da Arena não teve dúvidas: passou ao petismo.

No documentário Entreatos, de João Moreira Salles, que mostra a campanha para a Presidên­­cia em 2002, Lula aparece dizendo a alguns aliados que acredita na regeneração das pessoas. Estava falando de Sarney, que acreditava ver "regenerado". Citava o exemplo de Teotônio Vilella e achava que o ex-presidente seguiria para um bom caminho.

Hoje, oito anos depois, já ficou claro que Sarney continua sendo o que sempre foi: um sanguessuga de governos; um aproveitador dos cargos públicos; um cartório distribuidor de cargos e benesses. Vai fazer o mesmo com Dilma. E a presidente, até agora, esboçou pequena reação. Assim como FHC e Lula, ela parece ter cedido também ao telefonema dos chantagistas do PMDB. Já deu a Vice-Presidência e seis mi­­nistérios ao partido. E deverão vir mais concessões.

Como seus antecessores, ela acredita que sem o PMDB é impossível governar. Prova­­velmente, tem razão. E essa é a triste moral da história: na política do nosso país, o presidente só governa se atender às exigências dos sequestradores. Ou, dizendo de outra forma: só governa se entregar a eles parte de seu governo.

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