"Quando eu era criança, veio o golpe militar. O país foi governado pelo Castello Branco, pelo Costa e Silva, pelo Médici. Aí entrou o Geisel, depois o Figueiredo. Voltou a democracia com o Sarney, depois entrou o Collor e aí o Itamar. E querem que eu fale mal do Fernando Henrique?" Ouvi isso dez anos atrás de um amigo, sujeito culto e inteligente, na época em que falar bem do Fernando Henrique era considerado deselegante entre pessoas cultas e inteligentes.
Era a época do escândalo das privatizações, o FMI mandava e desmandava no país, diziam que o presidente havia comprado a emenda da reeleição. Mas ali, à mesa, entre amigos, o camarada se sentiu à vontade para falar o que, no fundo, eu também pensava. Na comparação, o Fernando Henrique não era assim tão mau.
Temos esse costume: falar bem de político não é bem visto. Isso é bom. Mostra que temos preocupação em manter o senso crítico alerta. Quando nos damos o luxo de violar essa regra, fazemos discretamente, longe de pessoas desconhecidas. E, de preferência, em um tom de gracejo.
Me lembro da palestra de um diplomata, também na mesma época. Ele dizia que o Itamar Franco era um político menosprezado, mas que, como presidente, havia conseguido três conquistas fundamentais. "Derrubou a inflação, fez o sucessor e ganhou uma Copa do Mundo". De novo, a piada alivia o mal-estar de falar bem de um político.
Mas o fato é que, problemas à parte, e posições ideológicas igualmente à parte, temos de admitir que, nos últimos tempos, temos dado mais sorte com nossos presidentes do que acontecia antes. A comparação com o período militar ou mesmo com outras épocas de democracia faz saltar aos olhos alguns avanços de anos recentes.
Nesta semana, o presidente Lula ganhou uma bela homenagem internacional. Recebeu o prêmio Félix Houphuët-Boigny, da Unesco. Até hoje, dizem, um terço dos ganhadores do prêmio recebeu em seguida o Nobel da Paz. A honraria, que teve pouca repercussão na imprensa local (se não gostamos de falar bem de políticos, a imprensa nacional gosta menos ainda de falar bem de Lula) foi dada "por suas ações em busca da paz, diálogo, democracia, justiça social, igualdade de direitos, assim como por sua contribuição para a erradicação da pobreza e proteção das minorias".
É claro que a gente, que está aqui o tempo todo, acompanhou o governo Lula dia a dia, coisa que possivelmente a Unesco não fez. Vimos escândalos de mensalão, ministros dizendo ou fazendo bobagens, etc. Mas só um tolo (ou algum fanático da oposição, que como fanático só pode ser tolo) poderia negar que o atual governo trouxe conquistas importantes para o país. Especialmente para os mais pobres.
Qualquer estatística social que se pegue mostra isso. Milhões deixaram a pobreza, a classe C ganhou poder de compra, o desemprego diminuiu. A cesta básica consome uma parte cada vez menor do salário mínimo, que por sua vez se aproxima, um pouco que seja, mas de maneira inédita, dos números que o Dieese diz serem necessários para garantir direito a alimentação, saúde e vida digna.
A ampliação do ensino superior gratuito, com a concessão de bolsas para alunos carentes em escolas particulares; a extensão do ensino obrigatório para nove anos; o fim da dependência do FMI (com di-reito a empréstimo nosso para eles); a concessão de uma bolsa para garantir a renda mínima aos excluídos; tudo isso são avanços difíceis de contestar.
É óbvio que reconhecer os pontos positivos de um governante ou de um grupo político não quer dizer que a gente deva perder o senso crítico. Muito pelo contrário. É possível que as coisas venham acontecendo, em boa medida, justamente porque a sociedade cobra.
Mas não deixa de ser bom, de vez em quando, poder falar de algo po-sitivo em nossa política. Aquela rabugice que se exige de nós (especialmente de quem escreve sobre política em jornais) faz um pouco de mal para a gente. E, de vez em quando, é bom estar à mesa, comendo com os amigos, e poder falar bem do governo.
Só para variar. Só para a gente sentir uma pontinha de esperança para o nosso país.
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