A posse de Marcelo Crivella (PRB-RJ) como ministro da Pesca, no início do mês, parece ter sido um ponto de mudança para a presidente Dilma Rousseff. Não foi à toa que ela chorou ao exonerar um correligionário, Luiz Sérgio, para dar posse a um bispo ligado a Edir Macedo. Ficou óbvio que ela fazia aquilo contra a vontade. E, de lá para cá, tudo indica que a presidente achou que não é o caso de fazer mais concessões.
Crivella assumiu o irrelevante Ministério da Pesca unicamente para que o governo conseguisse colocar os partidos que se elegem com votos de evangélicos em algum cargo. Alguns auxiliares andaram dizendo o que não deviam, em declarações vistas como preconceituosas, e quem pagou o pato foi Luiz Sérgio, que já havia recebido o ministério como prêmio de consolação. O site The i-Piauí Herald chegou a transformar o posto em piada: sempre que alguém fica em situação ruim, agora, diz-se que vai ganhar o Ministério da Pesca. O vereador de Curitiba João Cláudio Derosso (PSDB), nessa teoria, seria forte candidato a ministro.
Na posse de Crivella, embora Dilma tenha chorado, fez todo um discurso racional defendendo o modelo de presidencialismo de coalizão. "Esse é um país extremamente complexo, múltiplo e democrático. Assim sendo, a constituição de alianças políticas é essência para que o Brasil seja administrado, para que o Brasil seja governado de forma democrática e, ao mesmo tempo, que o governo represente os interesses da nação", disse. Ou seja: quem apoia o governo ganha cargos. Simples assim.
Mas depois, logo depois, o caldo entornou. O PR, mais um desses partidos sem ideologia que estão corriqueiramente junto com quem governa, pediu mais ou iria para a oposição. O PMDB forçou a mão para aumentar ainda mais a sua fatia do bolo. Cada partido continua pressionando, até conseguir cofres mais gordos e cheques mais polpudos. Caso contrário, como não têm mesmo um programa nem nada semelhante, simplesmente ameaçam passar para outro lado.
Os cientistas políticos podem entender tudo isso, dar explicações racionais como a que a própria Dilma deu na posse de Crivella e achar que é tudo muito natural. No mundo real, porém, dá-se a isso o nome de chantagem. Dilma parece, no fundo, concordar muito mais com essa interpretação. E decidiu reagir.
Há duas perguntas que um governante, ao ver como funciona o apetite dos aliados fisiológicos, tem de fazer. A primeira é: dar cargos a eles, sabendo o que pretendem fazer, é justo? Ninguém é ingênuo de achar que o PR quer a pasta dos Transportes só porque acredita que é preciso criar mais ferrovias no país. Segunda pergunta: e se eu não fizer o que eles exigem, o que acontece?
Collor tentou isso. Não deu certo. Seus sucessores, talvez assustados com o risco envolvido, decidiram ceder e foram até longe demais. Dilma, agora, resolveu jogar duro. É uma parada muito mais difícil do que a que ela enfrentará com a Comissão da Verdade. Afinal, trata-se de uma verdade de hoje, e não de 40 anos atrás. E os possíveis inimigos estão entrincheirados em um lugar para lá de privilegiado: o Congresso Nacional.
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