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Paulo morreu há três anos e meio, baleado no coração, aos 23 anos. O possível motivo do crime: a vítima estaria devendo um cachorro-quente. A polícia não conseguiu descobrir se foi isso mesmo o que aconteceu. Até maio, apenas uma pessoa havia dado depoimento sobre o caso. Ao ler as investigações de mil assassinatos ocorridos em Curitiba, a reportagem da Gazeta do Povo descobriu uma série de motivos banais exatamente iguais a esse. Na periferia de Curitiba, mata-se por cinco reais. E por um simples motivo: quem atira sabe que a chance de ir preso é pequena.

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O sujeito que atirou em Paulo no Capão Raso provavelmente nunca leu um Anuário Estatístico de segurança pública. Nunca soube qual é a taxa de condenação de réus de homicídio em Curitiba. Mas possivelmente deve ter ouvido falar de dezenas de outras mortes violentas na cidade que ficaram sem ser resolvidas. Talvez tenha visto algum vizinho ser assassinado e ninguém ser preso. Imaginou que suas chances de escapar eram boas.

Trata-se de um tema clássico da literatura: a terra sem lei. O norte-americano Cormac McCarthy é craque em imaginar histórias do gênero, como seu Onde os Fracos Não Têm Vez, que rendeu um filme vencedor do Oscar, ou o excelente Meridiano Sangrento, que se passa no Velho Oeste. Ou ainda A Estrada, sobre um futuro pós-apocalíptico. Em todos eles, a ideia é retratar a humanidade sem lei. Sem regras. Cada um por si. E o que se vê, claro, não é bonito.

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É o que acontece quando o Estado some ou se omite, como no caso das periferias das grandes cidades brasileiras. O que o morador das vilas mais abandonadas percebe é que quem tem a última palavra é quem fala mais alto – não há lei que impeça alguém de fazer o que queira. O Estado está ausente: não pôs asfalto na rua, não coibiu o gato de luz, não recolheu o lixo, não impediu o trabalho infantil. Irá descobrir o autor de um assassinato?

Seria muito fácil colocar a culpa da impunidade em um delegado, mas o buraco é muito mais embaixo. É a omissão completa do poder público que cria o cenário para a matança, em primeiro lugar. Claro que se pode ir mais fundo e querer que as famílias sejam estruturadas e deem uma educação baseada em valores éticos etc. Mas enquanto o mundo for como é, o Estado tem a obrigação de reprimir o crime. De prender quem mata. De impedir que o ciclo vicioso se perpetue.

Mas as autoridades parecem pouco interessadas nisso. O governo federal espalha aos quatro ventos que a miséria está acabando, mas basta olhar para o lado para ver que as favelas continuam aí. O governo do estado põe filmetes na tevê autoelogiando suas UPSs, mas elas nada mais são do que um arremedo de pacificação composto de dois PMs em meio a bairros em guerra civil. A prefeitura cria um setor da Guarda Municipal para cuidar de cães enquanto a drogadição corre solta por aí. E o Tribunal de Justiça, em vez de construir mais plenários para diminuir a fila de réus no Júri, prefere comprar carros com vidros blindados para proteger a vida de seus desembargadores. Afinal, sabe como anda essa violência...

Com tudo isso, quem se deu bem foi o atirador que matou Paulo. O cálculo dele estava certo. Três anos depois, ninguém descobriu seu nome, muito menos seu paradeiro.

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