O título da coluna vem do Hamlet. Duvidando da maluquice fingida pelo protagonista, Polônio diz que vê “método” naquela loucura. Polônio era um tolo, mas nesse caso tinha razão. Havia um plano por trás do fingimento, como o leitor/espectador sabe desde cedo. Hamlet tinha um objetivo e se passou por louco unicamente para chegar aonde queria.
Em política, quando se vê alguém falando algo que evidentemente contraria a racionalidade, é preciso dar uma de Polônio e enxergar o método por trás das palavras sem sentido. Por exemplo, quando se vê todo um movimento para negar que as minorias sofrem pelo fato de ser minorias. Coisa que tornou comum (mas nunca banal) nos últimos tempos em nosso país.
Basta sair qualquer nova estatística comprovando o óbvio para que surja logo um campeão do método negando sua veracidade. Mulheres são assassinadas por causa de sua condição desigual em uma sociedade machista? “Evidente que não”, dirá o distorcedor profissional de fatos. O tal feminicídio, dirá, é uma farsa da esquerda. Pois não morrem mais homens do que mulheres no país?
Sim, morrem. Mas basta se informar um pouco sobre causas de homicídios para saber que as mortes masculinas estão atreladas normalmente a fatores como drogas e criminalidade. O sujeito muitas vezes morre em função de seus atos – o que, claro, não minimiza o problema da violência. Mulheres morrem por ser mulheres. Numa série de reportagens que analisou a fundo os homicídios de Curitiba, passando pente fino em mil casos, a Gazeta mostrou que a minoria das vítimas era mulher. Mas elas eram as vítimas dos crimes passionais.
O grande jornalista Alvaro Borba já deu essa dica. Por incrível que pareça, funciona. Vá ao Google e digite “Inconformado com o fim do relacionamento” para descobrir o que acontece com muita mulher simplesmente por não querer mais namorar alguém.
Mulheres ganham menos do que os homens mesmo quando exercem funções iguais? “Mais uma tolice”, afirmará, arrancando seus cabelos, nosso tapador de sol com peneira. Elas ganham menos, dirá, porque as mulheres escolhem profissões que pagam menos. Além de ser uma ofensa à inteligência e à racionalidade das mulheres, isso desmente histórias clássicas e conhecidas de desigualdade.
Quem quiser pode buscar saber a história do Walmart nos Estados Unidos, por exemplo. Depois de uma gerente descobrir, por acaso, que seu contracheque tinha uma grande diferença para o colega de igual função, o mercado sofreu uma enxurrada de milhares de ações por tratar desigualmente os gêneros. Um chefe chegou a dizer, para se explicar, que a política era essa porque homens sustentam famílias. Se alguém precisar de mais provas da existência do machismo no mundo corporativo, basta avisar.
As mulheres têm algumas de suas atitudes moldadas pela sociedade? “Claro que não!”, dirá nosso antifeminista empedernido, furioso com o fato de o Enem ter usado um texto de Simone de Beauvoir que dizia isso (e somente isso). Como se não fosse prova suficiente o fato de as mulheres através dos tempos e em sociedades diferentes se comportarem de maneira diferente. Como se não fosse óbvio que o “feminino” é também uma construção social e que não basta ter o cromossomo x ou y para determinar que a pessoa gostará de usar azul ou rosa.
A ciência é o conhecimento do mundo. Como o mundo nem sempre é o que queremos, às vezes conhecê-lo causa desconforto. Ainda hoje é possível encontrar gente que nega conhecimentos inegáveis que a ciência nos trouxe, como a evolução das espécies. Mas o discurso contra as ciências exatas praticamente inexiste, e o discurso contra a biologia vai se tornando mais raro. O ódio, porém, às ciências humanas, segue firme e forte como sempre.
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