Uma empregada doméstica gaúcha que passou a mão em R$ 120 do patrão levou um recurso ao STJ para tentar escapar da cadeia. Não funcionou. Os ministros do tribunal afirmaram que o comportamento dela apresentava "periculosidade social". E o valor, afirmou o relator do caso, ministro Og Fernandes, à época era quase um terço do salário mínimo, de R$ 380. Diz o texto produzido pelo STJ que ela até pode ter a pena diminuída de "um a dois terços". E só.
O leitor pode achar a decisão intolerante. Afinal, a Justiça brasileira prevê o uso do "princípio da insignificância" para furtos muito pequenos. Pode-se também achar que roubo, mesmo de R$ 120, merece mesmo cadeia. O que é difícil de entender é como alguns são punidos com toda a dureza da lei enquanto outros, acusados de dar fim errado a somas muito maiores de dinheiro, recebem toda a tolerância possível.
Na semana passada, por exemplo, o Tribunal Regional Eleitoral estendeu a insignificância a parâmetros nunca dantes imaginados. O valor em questão estava ligeiramente acima de R$ 120. O julgamento envolvia R$ 74 mil das contas de campanha de Valdir Rossoni, presidente da Assembleia Legislativa do Paraná. O Ministério Público mostrou que ele não prestou contas adequadamente do dinheiro. Ou seja: qualquer coisa poderia ter ocorrido com aqueles R$ 74 mil.
No entanto, apesar das provas, o tribunal decidiu não usar com Rossoni o rigor da lei. Quatro dos seis magistrados acharam que o valor era insignificante perto dos R$ 580 mil que Rossoni havia coletado durante a campanha. Eram só 6% do total, disseram os juízes. Mas fica a pergunta: a insignificância é uma questão de porcentagem? Se Rossoni tivesse movimentado R$ 10 milhões na campanha, quanto poderia passar sem ser fiscalizado?
Ontem, novamente, as autoridades paranaenses mostraram sua face mais complacente. Dessa vez os julgados eram os ex-governadores Orlando Pessuti e Roberto Requião. O Ministério Público pedia a reprovação das contas do governo de ambos. Apontou uma série de problemas, conforme revelou ontem a reportagem de Heliberton Cesca nesta Gazeta. Mas alguém aí acha que o Tribunal de Contas condenou os dois? Curiosamente, pelos mesmos quatro votos contra dois, as contas de ambos foram aprovadas "com ressalvas".
O conselheiro Artagão de Mattos Leão, que patrocinou a tolerância ao assinar o relatório, afirmou com todas as letras que "por baixo da nossa toga precisa haver um coração". Claro que a lei precisa ser interpretada. E que ninguém espera que juízes sejam carrascos impiedosos condenando todos o tempo todo. O que se espera, apenas, é que todos sejam julgados pela mesma régua.
Um dos princípios básicos da Constituição brasileira (e de toda democracia que se preze) é que todos somos iguais perante a lei. Sem isso, caímos no antigo regime, em que uns tinham direito divino a certos privilégios, enquanto outros estavam condenados a nunca ter certos direitos. As autoridades precisam decidir se, afinal de contas, a "insignificância" do valor desviado serve só para quem tem amigos no Judiciário.
Do jeito que as coisas andam, a impressão que se tem é que às vezes o que se julga não é a insignificância do crime. E, sim, do acusado.
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