A série de reportagens que vem saindo desde segunda-feira na Gazeta do Povo e na RPCTV destaca sempre um fato: os repórteres tiveram acesso a apenas 10% dos documentos referentes à publicidade da Câmara de Curitiba. Em primeiro lugar, isso diz muito sobre a transparência do Legislativo municipal. Em tese, tudo isso deveria ser público. E, se não houver algum chabu maior, a partir de maio, com a Lei de Acesso a Informação, ficará mais difícil esconder essas coisas do cidadão.
Mas há outro ponto igualmente importante. Trabalhando em quatro pessoas e tendo acesso apenas à ponta do iceberg os repórteres estão conseguindo reunir dados importantes sobre um esquema suspeito que se instalou no gabinete da presidência de João Cláudio Derosso. Notas frias, terceirização para empresas de funcionários da própria Câmara e repasse de dinheiro para empresas de vereadores são alguns dos exemplos.
Fica a pergunta: como é que os próprios vereadores não viram isso? No ano passado, quando a situação começou a se tornar quase insustentável, a Câmara acabou montando uma CPI para investigar justamente os contratos de publicidade. A bancada de situação, onde se encontravam os amigos do Derosso (antes da derrocada final, no início deste ano) assumiu os postos mais importantes. Emerson Prado, correligionário de PSDB, foi o presidente. Denílson Pires, do DEM, o relator.
Uma CPI tem condições de exigir documentos. Ou seja: ao contrário dos repórteres, que tiveram acesso a apenas um décimo dos papéis, os vereadores, se tivessem o mínimo interesse em fazer uma investigação séria, poderiam conseguir 100% dos registros do dinheiro de publicidade. Poderiam ter estudado a papelada, ao invés de só fazer o papelão de terminar a CPI sem qualquer conclusão relevante.
Mas não. Os vereadores preferiram apenas ouvir um ou outro testemunho. Ouviram os investigados, que negaram tudo (e o que mais se esperava nesse caso?) e fizeram um relatório que afirmava não ser possível pedir punição a ninguém. Mesmo a oposição, que fez um relatório alternativo, não conseguiu ir atrás de subsídios que, ao que tudo indica, estavam mais ou menos à mão de quem fuçasse nos papéis.
Mas por que não foram atrás? Em primeiro lugar, os vereadores não gostam de acusar uns aos outros. O corporativismo protege a todos ao mesmo tempo e, afinal de contas, nunca se sabe quem estará sendo investigado amanhã...
A própria série de reportagens, porém, mostra que pode haver outros motivos. Dois dos vereadores envolvidos na investigação tinham relação com empresas beneficiadas com publicidade da Câmara. Ninguém menos do que o presidente do Conselho de Ética (Francisco Garcez) e do que o presidente da CPI (Emerson Prado). Os dois que, em teoria, deveriam chefiar a investigação sobre Derosso.
Além disso, há um problema ainda mais sério. Como mostrou o caso da lei dos "táxis hereditários", aprovada nesta semana, os vereadores não parecem entender lá muito de legislação. Quem acha que uma permissão pública pode passar de pai para filho logo pode aprovar uma lei transferindo emprego público para familiares. E lógico que, num ambiente assim, fica difícil restaurar a legalidade.