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Conta a lenda que Sísifo, depois de desagradar aos deuses, acabou condenado a um fim terrível: tinha de empurrar morro acima uma imensa pedra de mármore, sabendo que assim que chegasse ao topo ela rolaria para baixo novamente. Era preciso voltar a descer e reiniciar a subida, eternamente.

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O noticiário de política muitas vezes faz parecer que estamos vivendo uma condenação semelhante. É só ver o que se passou nos últimos dias para reparar no tamanho das pedras que carregamos. O caso mais evidente é o do Detran. O governador atual, Beto Richa, apresentou um projeto para aumentar em até 500% as taxas que pagamos. Fazia exatamente quatro anos que o governador anterior, Roberto Requião, havia apresentado um tarifaço semelhante.

Em 2007, Requião retirou o projeto de votação por pressão do povo. Os deputados, mesmo sendo cordeirinhos a mando do Executivo, já diziam que iriam heroicamente rejeitar a proposta (por medo de não serem reeleitos, claro). São os mesmos deputados, basicamente, que apoiam a proposta esdrúxula do novo governador.

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Os dois, Requião e Richa, dizem ser totalmente diferentes do outro, mas agiram da mesma forma, tanto no governo (aumentando preços), quanto na oposição (reclamando da imoralidade de quem promove os aumentos). O lema de Richa na campanha era "fazer mais com menos". Se vier a fazer mais (o que ainda está por se ver), parece que fará "mais com mais". Dizia ser o anti-Requião, e cada vez se parece mais com o antecessor.

Curitiba, por outro lado, já foi a cidade-modelo. Já foi a capital ecológica. Agora se esforça mesmo é para manter o título de "capital das reinaugurações". O atual prefeito, Luciano Ducci, trabalha para refazer o que antecessores fizeram e que o descuido de outros prefeitos deixou morrer. Promete reativar os cinemas de rua (falta muito?), o Museu Metropolitano (quanto tempo...), e agora tira do papel... a Rua 24 Horas. Lembram dela? Foi inaugurada 20 anos atrás. A pedra rolou ladeira abaixo e fomos pegá-la novamente.

Se a culpa pela perda do que precisa ser refeito é do atual prefeito ou dos que vieram antes dele, cabe discutir. O que não se vê, porém, são novas ideias tão interessantes quanto foram, na época, uma rua que funcionasse a noite toda ou cinemas que passassem filmes de arte a preços populares. Quanto a isso, dificilmente cabe discussão.

No governo federal, o eterno retorno é mais imediato. Mal acabamos de ver um ministro caindo e já vem outro, rolando escada abaixo. Nem os escândalos são originais. Propinas, ONGs, desvios para beneficiar partidos aliados. Às vezes até os nomes se repetem. O sujeito deve ficar em casa pensando: "Esse Carlos Lupi não é aquele que..." É aquele mesmo. Não fizeram nada, e agora está ele aí de novo.

Nietzsche escreveu sobre isso. Ele perguntava o que você faria se um dia dissessem que a sua vida seria repetida inúmeras vezes, nos mínimos detalhes. "Não te lançarias ao chão e rangerias os dentes e amaldiçoarias o demônio que te falasse assim?", perguntava ele. Real­­mente, a repetição dos fatos é aflitiva. Resta a nós o consolo de que, no nosso caso, as coisas mudam. Lentamente, mas mudam.

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