Milhares de pessoas foram mantidas como reféns de uma imensa lengalenga política na tarde de ontem, na Vila Nossa Senhora da Luz. Os pobres reféns estavam lá apenas para receber cobertores e peças de roupa doadas por cidadãos de boa vontade. Para mostrar o quanto são grandiosos os ideais de Luciano Ducci, porém, a prefeitura de Curitiba primeiro deixou todos de castigo: em pé, debaixo do sol, durante o horário de expediente, os habitantes da vila pacientemente ouviram a propaganda oficial.
Depois de uma breve fala de um frei da região, começou a politicagem. A presidente de uma associação de moradores da Cidade Industrial usou o microfone. Na praça central da vila, todos ouviram a mensagem: até "seis, sete anos atrás", ou seja, antes de Beto Richa ser prefeito, o bairro era abandonado. Agora, não. Tudo mudou.
Vieram então dois vereadores. Julieta Reis e Dirceu Moreira fizeram um discurso para seus eleitores. Qual a razão de ter de ouvir mais isso, pensaria a dona de casa que tinha de voltar para cuidar dos filhos? Ninguém deu a resposta. O fato é que a prefeitura preferiu ceder o palanque para seus parceiros. Moreira retribuiu, elogiando projetos de Ducci na região. Claro, elogiou a si próprio também.
O cidadão que acreditasse que isso era suficiente e que os cobertores já iam ser liberados se enganou tremendamente. Agora era a vez do pessoal do Instituto Pró-Cidadania de Curitiba, ligado à prefeitura. Depois veio ainda mais um discurso. Dessa vez, quem prolongou a agonia da multidão foi a primeira-dama, Marry Ducci. Claro, preparou o terreno para o marido, que fez o último discurso da tarde.
Só depois disso os cobertores passaram a ser entregues. Era preciso entrar na fila e esperar. Todos também tinham de ter cadastro prévio, feito pelos assistentes sociais, que foram de casa em casa pegar os dados de cada família. Aí vem mais uma pergunta crucial: por que os próprios assistentes não levam já o cobertor e entregam? Ou, se isso não fosse possível, por que não ir simplesmente a um balcão?
A resposta é fácil. Sem discurso, sem festa, sem oba-oba, o prefeito não mostra que foi ele quem organizou tudo aquilo. Pior ainda: a cortesia é feita com chapéu alheio, já que os cobertores são doados por cidadãos e por empresas particulares. No máximo, a prefeitura organiza e divulga tudo. E, claro, fica com os dividendos políticos, esperando que os reféns passem a sofrer da Síndrome de Estocolmo, quando o refém passa a simpatizar com quem o mantém cativo.
Pelos cálculos da própria prefeitura, 320 mil pessoas foram beneficiadas pelos cobertores e peças de roupas doadas. Como só se pode pegar as doações nos eventos, todos ouviram o discurso oficial. Isso quer dizer bem uns 20% dos eleitores de Curitiba.
É claro que as doações são importantes. Ninguém questiona a importância de dar cobertores a quem não tem. O que se questiona é a necessidade da festinha em benefício próprio, feita às custas do contribuinte. No ano passado, Fernanda Richa chegou a ser multada por usar os eventos para ajudar a eleger o marido, Beto, para o governo do estado. Nenhuma lição parece ter sido aprendida desde então.
Diz-se que o Bolsa Família é eleitoreiro. Mas, pelo menos, o beneficiário recebe o dinheiro a que tem direito no banco, sem precisar participar de comícios eleitorais.