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O projeto de se criar um ônibus cor de rosa exclusivo para mulheres em Curitiba já foi tão esculhambado nos últimos dias que seria redundante continuar criticando a ideia do vereador Rogério Campos (PSC). Acredito que, a essa altura, os vereadores curitibanos não aprovariam o projeto, até para não virarem alvo de chacota. Mas o que vale, sim, a pena, é ver o que está por trás da discussão.

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Ontem, nesta Gazeta, meu professor Cristovão Tezza (lá se vão vinte anos desde que sentei numa sala de aula para ouvi-lo...) falou que a aprovação da proposta seria um recuo, uma "derrota da civilização". E, às vezes, tenho a impressão de que é isso mesmo que algumas parcelas da população querem. Exatamente a derrota dessa ideia de civilização que Tezza está defendendo.

Ficou para trás, mas se puxarmos pela memória lembraremos que há pouco mais de dois anos a mesma Câmara de Curitiba aprovou um projeto para colocar cancelas em ruas sem saída da cidade. A ideia, do vereador Mario Celso Cunha, foi aprovada porque, segundo seus colegas, quem não mora na região não tinha nada o que fazer ali. E as cancelas (bem guardadas, é claro), ajudariam a manter a segurança no local.

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A ideia do ônibus cor de rosa, embora possa não parecer num primeiro momento, tem muita semelhança. Nos dois casos, o que se pretende é deixar alguém de fora. Quem? A resposta é vaga, mas importante: quer-se deixar de fora o outro, o "inimigo". Eis o que tem verdadeiro potencial para destruir a civilização, a ideia de que o outro é sempre um inimigo em potencial. Pior: a ideia de que só estaremos a salvo se erguermos uma barreira física entre "nós" e "eles".

A partir do momento em que pensamos que a convivência pacífica é improvável, estamos admitindo que não acreditamos mais no projeto civilizatório. Poderíamos muito bem desejar a volta das muralhas que cercavam as cidades na Idade Média. Mas, na verdade, é pior: agora, os que vemos como inimigos não são os distantes habitantes de outros continentes, nem são os bárbaros: são nossos vizinhos de bairro e de rua.

As propostas do gênero, por enquanto, têm esbarrado na legalidade ou no bom senso. Mas é de se perceber que a Câmara tem insistido em apresentá-las. Nossos vereadores são tudo, menos bobos. Estão percebendo que há um público que votará neles por isso. E há o risco real de a intolerância aumentar cada vez mais. De querermos resolver as coisas sempre na base da lei, do muro e da grade. Cada um ficará em seu canto, e a cidade se tornará mais pobre.

É um comportamento típico de uma Câmara que não consegue nem mesmo ouvir em plenário o depoimento de um líder de direitos civis. Nesta semana, nove vereadores da bancada evangélica saíram do plenário enquanto Toni Reis, que representa os homossexuais, pedia justamente mais tolerância. Diziam que o problema era que, para ouvi-lo, havia sido interrompida a discussão de um projeto importante: tratava-se da aprovação de uma homenagem a um pastor evangélico, que se arrastava por mais de uma hora, nitidamente para que os homossexuais não tivessem acesso à tribuna.

Há um ano, a Câmara era repudiada em Curitiba porque se descobriu que era uma ameaça a nossos bolsos. Hoje, o que se discute, pelo menos, são ideias. Mas, há que ficar claro: algumas dessas ideias são bastante perigosas.

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