Neste dia em que o vice Michel Temer assumirá o comando da República em substituição à afastada presidente da República, os brasileiros são convidados a buscar uma resposta ou, quando menos, a meditar em torno de uma pergunta simples: de que adianta mudar de governo se não houver disposição para mudar também o modelo de governança?
É evidente que o momento nos impele a alimentar alguma esperança, já que, como diria o deputado Tiririca, tudo leva a crer que “pior não fica”. Afinal, o governo agora apeado do Palácio do Planalto já não governava nem mais teria capacidade de reunir condições políticas para promover a recuperação do país. Logo, ainda que indesejável do ponto de vista da estabilidade democrática, o impeachment pode abrir caminho para uma era mais promissora do que aquela que tínhamos pela frente.
A dúvida continua: e o governo de Michel Temer será capaz de estabelecer um novo modelo de governança?
Lembremo-nos que este modelo está assentado já há décadas no que pomposamente se denomina de “presidencialismo de coalizão”, que nada mais é do que um sistema pelo qual os partidos e seus líderes são chamados a abocanhar fatias do Executivo para, em troca, garantir a aprovação no Congresso de matérias de seu interesse.
Este modelo está na raiz da árvore frondosa cujos frutos principais foram os escândalos do “mensalão” revelado em 2005 e do “petrolão” desvendado a partir de 2014 pela Operação Lava Jato. Pior: a multiplicação de partidos e de parlamentares de baixa extração, sem correspondência ou compromissos sérios com o interesse nacional, nem sequer serviram de arrimo para garantir eficiência aos governos Lula e Dilma, que usaram e abusaram deste método de cooptação. Muito pelo contrário.
É sobre este mesmo alicerce que o presidente interino está edificando seu governo. Afora alguns “notáveis” chamados a ocupar três ou quatro ministérios importantes – dentre os quais o da Fazenda, entregue a Henrique Meirelles – reproduz-se nos demais a mesma e persistente fisionomia gestada pelo troca-troca fisiológico até agora dominante.
O que inclui, lamentavelmente, até mesmo a presença de honoráveis investigados pela Operação Lava Jato – garantidores, porém, suposta e duvidosamente, da tranquilidade política e das boas relações que Michel Temer aparentemente almeja para levar à frente alguns dos desafios que definiu como prioritários.
O mais premente é devolver equilíbrio às contas públicas, o que significará tomar medidas tão impopulares. A reforma da Previdência Social está no centro deste objetivo por se tratar de um dos ralos mais abertos pelos quais sangra o Tesouro. Inevitável será também cortar gastos em programas sociais; cortar gastos de custeio, enxugar a máquina.
Não há solução mágica para a recuperação da economia a médio prazo que não passe por estes e por outros remédios amargos, dentre os quais também a reforma da legislação trabalhista – fonte de desgastes eleitorais que os senhores parlamentares nunca se mostram dispostos a absorver.
Mais ainda, dentre as obrigações em tese inadiáveis que pesam agora sobre as costas do presidente interino, está a de exercer liderança e tomar iniciativas para implementar uma profunda reforma política e eleitoral, de modo a libertar os futuros governos da escravidão e subserviência ao mesmo modelo pernicioso de coalizão – justamente a que dá contornos para o tal modelo de governança que levou o país a viver agora um de seus piores momentos.
Análise pessimista? É possível, mas ela não elimina um rasgo de esperança: pior não fica!
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