O bom direito consagra o princípio de que ao acusador cabe o ônus da prova. Dele tem se servido o ex-prefeito Rafael Greca, suspeito de manter em sua chácara objetos que teriam sido surrupiados da Fundação Cultural de Curitiba (FCC) na época em que ele governava a cidade, nos anos 90.
Um laudo apresentado à imprensa pela FCC na sexta-feira (23), assinado pela perita Tatiana Zanelatto Domingues, faz comparações entre peças desaparecidas com fotos de objetos que adornam a casa de campo de Greca e por ele publicadas em sua página no Facebook. As semelhanças são tantas, em detalhes mínimos, que a especialista é levada a concluir que se tratam exatamente das mesmas peças.
O laudo técnico, no entanto, tem pouca valia do ponto de vista de prova de que houve furto. A comprovação só seria possível mediante exame direto, “ao vivo”, dos próprios objetos – dois lavatórios e uma cristaleira.
Mas como produzir prova irrefutável – ou descartar a hipótese – se Rafael Greca se nega a abrir os portões de sua chácara aos peritos? Só mesmo uma ordem judicial poderia romper a estranha relutância do candidato.
Greca assegura enfaticamente que os objetos não são os mesmos tidos como roubados da Casa Klemtz. São herança de família e, se são tão parecidos isto se deve à repetição de estilos, entalhes e adereços produzidos por artesãos do século XIX ou pela fabricação em série, pela antiga Fundição Mueller, do lavatório de ferro – detalhe também contestado pela perita.
Se diz a verdade, se nada lhe pesa na consciência, esta é uma razão a mais para permitir acesso e registros fotográficos do patrimônio. De outro modo, impossível entender por que prefere se manter sob suspeita de ser o autor, cúmplice ou receptador de bens supostamente públicos de inestimável valor histórico e artístico. Por que não desmoralizar de vez os maledicentes que põem em xeque sua honestidade?
Como é mesmo aquela história sobre a “mulher de Cesar”? Não lhe bastaria ser honesta; era indispensável parecer honesta. Rafael está juridicamente certo: não é obrigado a se submeter à inversão do ônus da prova, assim como pode se negar a produzir prova contra si mesmo. Mas precisa parecer honesto.
A lei é igual para todos. Portanto, como cidadão, Greca age amparado por ela. Entretanto, no caso concreto, neste momento Greca é candidato a prefeito – isto é, pretende um mandato em que a prova de honestidade é requisito mínimo. Não lhe bastam a experiência anterior como prefeito nem todas as demais qualidades que diz possuir se sobre ele permanecer a suspeita de ter infringido os artigos 155 e 157 do Código Penal que definem os crimes de furto e roubo. Ou o 7.º dos Dez Mandamentos: não roubar.
Seria, pois, de bom alvitre, que por conta própria Rafael Greca invertesse o ônus da prova – para provar que, ao contrário do que dizem as más línguas, não guarda nada do que seja do alheio público.
Caras
Pelo menos desde 1998 havia indícios da probabilidade de os objetos desaparecidos da Casa Klemtz estarem sob a “guarda” de Rafael Greca, então prefeito de Curitiba. Naquele ano, a edição nº 261 da revista Caras publicou foto de capa do casal-proprietário da Chácara São Rafael na qual, ao fundo, aparecia lavatório idêntico ao que sumira. Nas páginas internas, mais fotos mostravam outros móveis que decoravam a residência, também muito semelhantes aos desaparecidos. Em 1998, o casal Greca abriu a casa para a Caras – em 2016 se recusa a fazê-lo para peritos e para outros veículos da imprensa. Medo?
Cinco prefeitos sucederam Greca até chegar a Gustavo Fruet – que também deixou o caso dormindo durante quase quatro anos para só nas vésperas da eleição – com Greca talvez próximo de derrotá-lo nas urnas – ressuscitar o episódio. Oportunismo?
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