Olho vivo
Tempos modernos 1
A secretaria da Fazenda lançou campanha para estimular consumidores a exigirem nota fiscal a cada compra que fizerem. Em troca, concorrerão a prêmios de até R$ 100 mil. Claro, a intenção do governo é aumentar a arrecadação de impostos, que, embora tenha crescido bem acima da inflação nos últimos anos, se mostra insuficiente para matar a fome da pantagruélica máquina estatal.
Tempos modernos 2
A campanha não chega a ser inovadora. Os mais antigos se lembram que, no final dos anos 1950, o então governador Moyses Lupion lançou o "seu talão vale um milhão", que também sorteava prêmios entre os trocassem suas notas por um talão numerado. O sucesso foi tanto que chegou a provocar a lendária "guerra do pente": lojas de árabes do centro de Curitiba foram depredadas pela população raivosa porque um comerciante teria se negado a dar nota pela venda de um pente. O Exército precisou intervir para restabelecer a ordem.
Tempos modernos 3
Mais tarde, em 1979, já em seu segundo mandato, o governador Ney Braga recorreu ao mesmo recurso para incentivar a emissão de notas. No caso, os consumidores as trocavam por figurinhas do Zequinha personagem criado em 1928 por uma fábrica de balas, muito popular entre as crianças. Concluído um álbum, ele podia ser trocado por um bilhete para o sorteio.
Tempos modernos 4
Os tempos, hoje, são outros, bem mais modernos: para concorrer, basta ao consumidor pegar seu celular e passar um SMS para o número 8484 e transmitir os dados das suas notas fiscais. Imediatamente receberá de volta o número que lhe dará direito a participar dos sorteios.
Se você financiou a compra do seu carro, fica lá escrito no Certificado de Propriedade que o veículo está sob alienação fiduciária, certo? Pelas normas atuais, quando você paga a última prestação e não havendo mais quaisquer pendências, a instituição financeira simplesmente comunica o Detran de que o veículo está livre da alienação, medida suficiente para que, no licenciamento seguinte, o Detran retire do certificado o registro de alienação.
Quanto isto custa para o proprietário do carro? Simplesmente nada até agora, pois o Detran do Paraná está aderindo a um sistema de registro eletrônico de contratos de financiamento que vai acabar com a simplicidade dos procedimentos e com o custo zero. Quando implantado, dependendo do valor e do porte do veículo, o dono do carro vai ter de pagar caro para "limpar" o documento. Quanto? No Paraná ainda não se sabe, mas nos estados que já implantaram o sistema como Alagoas e Mato Grosso cobram-se taxas que chegam a até R$ 400,00.
No último dia 15, o diretor do Detran/PR, Marcos Traad, presidiu a segunda (e tumultuada) audiência pública para dar conta aos presentes do andamento do processo de licitação destinado a contratar empresa privada que se encarregará do registro eletrônico dos contratos de financiamento. Quando tudo estiver pronto, será desta empresa a responsabilidade de emitir o documento de liberação e cobrar por ele.
Pode ser um bom negócio para quem vencer a licitação. Digamos que faça o serviço pelo "módico" preço médio de R$ 100,00. Como no Paraná são realizados nada menos de 46 mil financiamentos por mês (número só superado pelos de São Paulo e Minas Gerais), já estaria garantido um faturamento de R$ 4,6 milhões mensais, ou R$ 55 milhões por ano! Este valor, que pode muito bem se multiplicar por dois ou três, é prato cheio para fazer a alegria de muita gente.
Agora, atenção: a implantação deste tipo de registro não é ilegal. O Código Civil o tornou obrigatório em 2002 e em seguida o Departamento Nacional de Trânsito (Denatran) o regulamentou. Portanto, o Detran/PR está apenas obedecendo a lei, como já o fizeram outros estados.
O temor levantado por organismos de defesa do consumidor (aliás, estranhamente, o Procon do Paraná não participou das duas audiências públicas já realizadas) é que a licitação paranaense possa resultar na escolha das mesmas empresas que, em outras paragens nas quais atuam, já foram colocadas sob graves suspeitas de servirem como rentáveis balcões de negócios não republicanos.
O diretor do Detran/PR negou na audiência pública as insinuações maldosas. Pelo contrário, disse ele, audiências são realizadas com a presença de todos os interessados exatamente com o objetivo de colher subsídios para formatar um edital de licitação à prova de fraudes e direcionamentos.
Ainda bem.
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