Quando os irmãos engenheiros André e Antonio Rebouças projetaram a ferrovia Curitiba-Paranaguá não poderiam imaginar que, 130 anos depois, ela seria pomo da discórdia entre a empresa que atualmente explora o trecho e autoridades culturais e ambientais. Tudo por causa de uma obra simples que, se executada, poderá duplicar o tráfego, a velocidade dos trens e a capacidade de carga da velha ferrovia.
Trata-se de uma curva próxima à histórica ponte São João que precisa ser retificada. Com o raio ampliado, poderão ser usadas locomotivas mais modernas, mais possantes e mais rápidas – já compradas pela concessionária e atualmente operando no transporte de açúcar entre o interior de São Paulo e o Porto de Santos.
A autorização para a realização da obra foi requerida pela concessionária Rumo há um ano ao Conselho Estadual de Cultura, que não põe maiores obstáculos mas exige uma contrapartida: que a Rumo faça a restauração da Casa de Pedra, uma secular construção situada à beira da Estrada da Graciosa, em Quatro Barras. Abandonada há muitos anos, restaurá-la não custaria, talvez, mais do que alguns dias de operação da ferrovia modernizada numa extensão de apenas 120 metros.
Mas... como não há compromisso com a restauração da Casa da Pedra, também não sai autorização para a reengenharia da curva da ferrovia!
No tempo dos Rebouças, não havia tanta preocupação com meio ambiente ou com o patrimônio histórico. Rasgou-se a ferrovia em poucos anos (sem a participação da Odebrecht e, ao que se sabe, sem propinas!). E hoje a própria ferrovia virou patrimônio histórico e o meio ambiente segue forte e lindo, como atestam turistas do mundo inteiro que fazem a viagem. Agora, porém, a necessidade de corte de seis árvores no local da curva certamente demandará mais um custoso processo junto ao Ibama.
Isto não é novidade no Brasil. As obras do túnel rodoviário em Camboriú ficaram paradas por mais de ano porque ameaçavam uma espécie de perereca em extinção. Um trecho de 30 km da Régis Bittencourt, que liga Curitiba a São Paulo, não podia ser duplicado na altura da Serra do Cafezal porque papagaios habitavam o lugar, enquanto centenas de pessoas morriam em acidentes; com a estrada volta e meia fechada, impedia-se o tráfego de passageiros e cargas.
É evidente que medidas compensatórias precisam ser tomadas cada vez que a fauna, a flora e o patrimônio histórico ficarem sob ameaça. Não se quer a extinção de espécies de animais, nem que se destrua irremediavelmente a vegetação. Mas o bom senso deve levar os agentes privados e públicos a entender que mais importante é preservar vidas humanas; e que o desenvolvimento econômico, equilibrado entre os fatores, também não pode ser contido.
Assim, restaurar a Casa de Pedra e retificar a curva do São João são coisas possíveis, necessárias, não excludentes e benéficas para a sociedade. Em poucos anos, o transporte de mercadorias na ida-e-volta entre Curitiba e Paranaguá pode saltar de uma proporção de 20% em relação ao rodoviário para cerca de 50%. Barateia os fretes e torna os produtos de exportação (soja, milho e farelos, principalmente) mais competitivos.
Dia destes, quem levantou esta questão foi o deputado Sérgio Souza, da bancada paranaense na Câmara. Ele foi eleito relator da medida provisória baixada há dias por Temer que trata das concessões rodoviárias, ferroviárias e de aeroportos. Já tem engatilhadas várias emendas para facilitar a transposição de obstáculos como o da curva São João. Mas há também outras preocupações – bem mais cabeludas – dentre as quais a prorrogação (ou não) das concessões rodoviárias no Paraná, a expansão da malha ferroviária e a encantada construção do contorno ferroviário de Curitiba, tarefas hoje em dia mais difíceis do que aquela enfrentada pelos irmãos Rebouças há quase um século e meio.
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