Plauto queima as caravelas
Durante a conquista do México, no século 16, Hernán Cortez mandou queimar as caravelas para mostrar aos seus soldados que não havia mais caminho de fuga e que a única chance de sobrevivência para eles era a vitória sobre os astecas. Era matar ou morrer. Voltar para a Espanha, jamais. Pois o deputado Plauto Miró Guimarães parece ter seguido a lição histórica de Cortez ao rebelar-se contra a orientação do líder governista durante a votação, anteontem, do projeto que instituiu o Sistema Integrado de Gestão Financeira (Sigerfi).
Filiado ao DEM, Plauto sempre foi um disciplinado membro da base de apoio ao governo, mas comportou-se na sessão de terça-feira como se fosse da oposição. Ele se recusa, no entanto, a entrar na provocação: diz que não foi contra a aprovação do Sigerfi movido por sentimentos de vingança contra o suposto esvaziamento de sua candidatura ao cargo de conselheiro do Tribunal de Contas. Votou contra frisa por se tratar de matéria inconstitucional.
Plauto é candidato ao Tribunal de Contas há mais de um ano. Parecia-lhe um caminho tranquilo, pois contava com o apoio do governador, do presidente da Assembleia e da maioria dos deputados. Entretanto, desde o fim de 2012, quando o desembargador Clayton Camargo foi eleito presidente do Tribunal de Justiça, o chão passou a desaparecer sob seus pés com o surgimento de outro candidato ao TC, o deputado Fábio Camargo, filho de Clayton.
O Sigerfi e a superconta do TJ, quando juntadas as duas pontas do fio da meada, parecem se combinar para o naufrágio da candidatura de Plauto. Mas, como já queimou mesmo suas caravelas, afirma vai até o fim para disputar os votos.
Uma reunião extraordinária do conselho da OAB/PR decidiu ontem à noite que vai protocolar reclamação hoje no Conselho Nacional de Justiça (CNJ), com pedido de liminar, contra o Decreto Judiciário 940 baixado no dia 17 pelo presidente do Tribunal de Justiça do Paraná, desembargador Clayton Camargo. A OAB entende que o dispositivo é absolutamente inconstitucional.
O decreto judiciário, antecipando-se à iniciativa do governo estadual de criar o Sigerfi (uma superconta bancária que reunirá recursos de todos os órgãos da administração direta e indireta), também criou uma superconta no TJ, alimentada pela totalidade dos depósitos judiciais atualmente administrados pelos juízes. Calcula-se em cerca de R$ 6,3 bilhões o total destes depósitos.
Combinado com a lei que implanta o Sigerfi (a ser sancionada na semana que vem), o decreto de Clayton Camargo abre a possibilidade de o TJ firmar convênio com o estado para transferir estes depósitos para a administração da secretaria da Fazenda por meio do Sigerfi.
O CNJ tem poderes suficientes para barrar a iniciativa do tribunal paranaense. Estarrecidos com a medida, os conselheiros da OAB/PR consideram que o CNJ encontrará inúmeras razões para conceder a liminar.
Uma das razões: o decreto 940 é tão abrangente que possibilita que todos os depósitos judiciais, qualquer que seja sua natureza, seja tributária seja privada, venham a compor a superconta do tribunal. Por exemplo: uma demanda entre locador e locatário privados, envolvendo o valor da locação e que tenha dado motivo a um depósito judicial, será também objeto do "confisco". Atualmente, quando resolvida a demanda, o juiz da causa tem autonomia para dar destino correto e imediato ao depósito.
O decreto muda esta regra. O juiz, primeiro, terá de pedir autorização formal do presidente do TJ para liberar o depósito para uma das partes. Se, porém, via convênio, o depósito já tiver sido transferido para a superconta estadual, pode ser que o estado alegue não ter disponibilidade para liberá-lo. Ou seja, um direito individual, privado, ficará sujeito à vontade ou à possibilidade da autoridade pública.
A OAB/PR, segundo seu presidente, Juliano Breda, não se limitará à reclamação ao CNJ. Pretende impetrar também no Supremo Tribunal Federal (STF) uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (Adin) contra a lei estadual de criação do Sigerfi, com implicações que irão bastante além da polêmica questão dos depósitos judiciais.
O Projeto de Lei 190 que cria o Sigerfi foi aprovado anteontem em regime de urgência pela Assembleia. Premido pelo ano eleitoral de 2014, o objetivo do governo é, ao colocar a mão em todos os recursos possíveis e imagináveis, enfrentar as dificuldades do erário para cumprir suas obrigações mínimas. E, quem sabe, até mesmo investir um pouco.
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