Você está na mesa rodeado de enfermeiros, indefeso, barriga já aberta pelos bisturis, quando a luz pisca e se apaga. Sem alternativa na escuridão da sala, o médico informa que terá de interromper a cirurgia e que não sabe quando (ou se) poderá retomá-la. Tudo porque, segundo ele, faz tempo que o hospital não paga a fatura da Copel.
Pode acontecer também de você flagrar um ladrão fazendo horrores dentro da sua casa, ameaçando a mulher e os filhos. Do lado de fora, você liga para a polícia e recebe como resposta uma negativa de atendimento porque as viaturas estão sem gasolina, pois o governo não pagou os fornecedores de combustíveis.
As duas situações se assemelham quanto ao nível de decepção, raiva e desespero que pode acometer as vítimas, mas elas diferem num ponto: a primeira pode ser uma distante hipótese, mas a segunda se tornou real e corriqueira no Paraná nos últimos meses, conforme retratou ampla reportagem publicada por este jornal na sexta-feira.
Nas 470 delegacias espalhadas pelo estado o cenário era este: ou faltava combustível para mover as viaturas ou faltava comida para alimentar os presos. Ou ambas as coisas. Nas que conseguiam atender uma ou as duas necessidades, dívidas contraídas em razão da lábia de delegados se acumulavam nos postos de gasolina e nos mercados locais.
Em Curitiba, o abastecimento dos carros policiais é centralizado em bombas localizadas na Rua Barão do Rio Branco, centro da cidade. Repórteres e fotógrafos do jornal foram lá e constataram que o atendimento estava paralisado. Nem mesmo o automóvel de representação do secretário da Segurança, um Honda Civic, pôde receber sua cota de gasolina, conforme flagrou a foto feita na quinta-feira. No interior, por falta de crédito no comércio para compras maiores, presos estão sendo alimentados há tempos exclusivamente com salsichas. Em Curitiba, delegados relatam que equipes de investigação tiveram de interromper trabalhos importantes.
A Secretaria da Segurança Pública confirma as dificuldades e se justifica: desde o começo do ano estuda como atender às exigências do Tribunal de Contas, que questiona a forma como são feitos os repasses de R$ 2,7 milhões mensais divididos entre as delegacias para cobrir despesas rotineiras. Passados já tantos meses, os estudos continuam e os problemas ainda não estão resolvidos, mas a promessa é de que na terça-feira serão feitos os repasses referentes a setembro e outubro, totalizando R$ 5,4 milhões.
Perfeitamente. Mas, a essa altura, onde estarão os assaltantes que não foram perseguidos e os homicidas que deixaram de ser presos em flagrante porque a viatura não saiu do lugar? Quantos crimes não foram investigados e solucionados e seus responsáveis postos na cadeia? Quantas rebeliões de presos esfomeados não teriam sido evitadas? E de quem a população (e os eleitores, naturalmente, que votaram em promessas) deve cobrar?
Aí a resposta é mais simples do que a justificativa bucrocrática e atrasada que a Secretaria da Segurança deu: esses criminosos que continuaram à solta estão, neste exato momento, alimentando o próximo relatório estatístico da criminalidade no Paraná.
É certo que o governo lançou um plano que chamou de Paraná Seguro que, segundo prometeu, enfrentará com eficiência o caos do setor e reduzirá os índices de criminalidade. Se o problema era dinheiro, esta é uma questão quase superada: o Paraná Seguro será o principal beneficiário do tarifaço aplicado às taxas do Detran. Agora, se com projeto e com dinheiro (que diziam ser os maiores problemas) não se conseguir o resultado esperado, então que se passe a culpar a gestão, que quando ineficiente é capaz até de paralisar a polícia.
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