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Com aquele sotaque característico de quem teve o polonês como língua materna, Bruna e Fran­­cisca – hoje duas idosas senhoras – guardam lembranças ainda muito vivas do tempo em que trabalharam como babás na casa da familia Rossoni, na minúscula Bituruna. Ainda hoje, já passados mais de 50 anos, ficam orgulhosas diante da televisão: "Como foi longe esse menino Rossoni", pronunciando o R inicial como quem fala ‘caroça´, para se referir ao deputado Valdir Rossoni. "Naquele tempo – elas contam – esse menino tinha medo de quarto escuro!"

Pois ontem o "menino" Rossoni assumiu a presidência da Assembleia Legislativa com um discurso de alguém que – embora não tenha vencido os tropeços ítalo-coloniais do idioma – conseguiu superar o medo de todos os fantasmas que o atormentavam no quarto escuro.

Tanto é assim que, ao invés dos laudatórios grandiloquentes que a liturgia recomenda para os momentos solenes de posse, Rossoni preferiu a linguagem direta de quem está disposto a enfrentar tudo – incluindo os fantasmas que ainda assombram gabinetes e corredores da Assembleia. "Não há força nem ameaça que me faça recuar", avisou o novo presidente.

Minutos antes da posse, Rossoni teve sua coragem testada. Liderando um grupo de companheiros, o temido presidente do sindicato dos funcionários da Assembleia, Edenilson Ferry, o Toka, invadiu seu gabinete para apresentar-lhe um ultimato: que não ousasse demitir ninguém, principalmente os comissionados que fazem a poderosa segurança da Casa. Rossoni despachou-os com uma negativa. Em seguida, um carro de som esbravejava na praça um aviso sinistro: que o deputado cuidasse muito bem de sua vida quando estivesse fora da Assembleia!

Já na tribuna, pouco depois de ser votado por 47 dos 53 deputados empossados na sessão de abertura, o novo presidente permeou seu discurso com informações do que pretende fazer à frente da Assembleia nos seus dois anos de mandato. Entre outras providências, prometeu:

• Contratar a Fundação Getúlio Vargas (FGV) para fazer uma profunda auditoria, começando por novo recadastramento de todos os funcionários efetivos ou comissionados;

• Rigor no controle do ponto: funcionário que não aparecer para trabalhar não receberá o salário no fim do mês;

• Recadastrar todos os aposentados e examinar cada um dos procedimentos que os levaram a obter o benefício. Os que conseguiram se aposentar "por baixo do tapete" perderão o ganho imediatamente;

• Rever todos os critérios da reposição salarial (URV) recentemente implantada em favor dos servidores. "O custo da URV vai ser de quase R$ 100 milhões. Com esse dinheiro dá para fazer muitas obras no estado".

• Deputados e funcionários estão proibidos de o procurarem para pedir favores. "Não entrei nessa para proteger gente que não merece."

• Recuperar o papel (legal e moral) do Legislativo de fiscalizar os demais poderes – função de que não escapará nem mesmo o Tribunal de Contas, sobre o qual fez questão de lembrar: o TC é apenas um órgão auxiliar do Poder Legislativo – muito em­­bora se disponha a abrir os arquivos da Casa para a devassa dos seus inspetores.

O deputado Valdir Rossoni conhece bem a Assembleia. Está lá há 20 anos. Já foi líder da situação e da oposição; já ocupou cargos de direção. Dos 54 deputados que tomaram posse ontem, só não convíveu com 17, eleitos para o primeiro mandato. Chama pelo nome boa parte dos servidores. E sabe que há, lá dentro, "poderes paralelos" dispostos a evitar que velhos costumes e privilégios sejam enterrados.

É de se imaginar, portanto, que o novo presidente mediu o bem terreno, devassou a escuridão e calculou o poder do fogo que terá de empregar para cumprir o que prometeu. Certamente sabe que o desafio que tem pela frente é muito maior do que os imaginários fantasmas que habitavam aquele quarto escuro da sua infância em Bituruna.

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