Uma das perspectivas mais interessantes sobre o principal nome da política brasileira em 2015 passou desapercebida. Em uma curta entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o deputado Marcelo Castro (PMDB-PI) explicou, de forma sucinta, como Eduardo Cunha (PMDB-RJ) virou presidente da Câmara Federal. Ele só chegou lá porque soube ouvir os deputados. Desde que alcançou seu objetivo, porém, passou a atuar exclusivamente em nome de seu próprio projeto político.
O contexto, claro, era de mágoa. Castro foi o relator de mais uma fracassada comissão da reforma política. Ele e o colegiado multipartidário tiveram “sucesso” em entregar um relatório para ser votado em plenário – uma proposta bastante medíocre, diga-se de passagem. Cunha, porém, não ficou satisfeito e decidiu colocar sua própria proposta, ainda mais medíocre, para ser votada, dando de ombros para dois meses de trabalho de Castro e seus colegas.
Sobre o Cunha líder do PMDB, cargo que exerceu no ano passado, Castro tinha o seguinte a dizer: “Ele foi o líder mais democrático que já havíamos tido no PMDB. Ouvia todo mundo, distribuía tarefas, todos participavam. Por algumas vezes a ideia dele foi derrotada na bancada e ele ia para a tribuna defender a ideia da bancada, e não a dele.”
Já o Cunha presidente da Câmara recebeu a seguinte avaliação de Castro: “Ele estava se sentindo tão poderoso, tão capaz, que ele estava se dando o direito de agir como se fosse um deus, que sabe o que todo mundo pensa, o que está na cabeça de cada um”.
A forma como Cunha se catapultou à presidência da Câmara é crucial se quisermos fazer qualquer previsão sobre seu futuro político – o que, a essa altura do campeonato, significa o futuro político do país. Ele soube ler como ninguém o funcionamento da Câmara, e soube usar essa informação a seu próprio favor. Agora, porém, parece esquecer o que aprendeu.
Não é segredo para ninguém que, desde sempre, a Câmara é dividida entre o alto e o baixo clero. O alto clero são as lideranças, as pessoas que conduzem as votações e a pauta. Esses deputados “alfa” sempre conduziram as votações no atacado – e, claro, sempre colocaram seus interesses políticos à frente dos outros. Já o baixo clero é a grande massa de deputados “beta”, geralmente mais preocupados em garantir uma emendinha parlamentar para seu município do que com as grandes questões nacionais.
O que Cunha percebeu é que, alto clero ou baixo clero, cada deputado é um voto. E percebeu, também, que o andar de baixo estava insatisfeito com o andar de cima. Assim, munido de seu bom trânsito nos gabinetes mais poderosos de Brasília e de seu conhecimento ímpar das leis orçamentárias e do regimento da Câmara, trabalhou para ser o líder dos descontentes. Lançou mão de favores para conquistar um a um, no varejo, cada deputado. Virou líder do PMDB, contra a direção do partido, e, depois, presidente da Câmara, contra o desejo do governo.
Ao assumir a presidência da Câmara, a conversa mudou. Raras vezes um presidente da Casa fez tão pouca questão de esconder que usa sua posição privilegiada para impor sua pauta pessoal. Em duas ocasiões, chegou a “virar a mesa” para votar novamente projetos já derrubados pelo plenário – ostensivamente constrangendo “seus” deputados a mudar o voto. O fato é que os deputados do baixo clero, cansados de serem reféns do governo, ou das lideranças de seus partidos, acabaram se tornando reféns de Cunha.
Após romper com o governo de Dilma Rousseff e enfrentar denúncias pesadas na Lava Jato, o peemedebista precisa mais do que nunca da lealdade do baixo clero. Da mesma maneira que a denúncia do lobista Julio Camargo serviu como pretexto para uma guerra aberta contra o governo, pode servir também como pretexto para afastá-lo do cargo. Resta saber se seus “súditos” continuarão ao seu lado.
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