São comuns os comentários nos corredores de Brasília sobre a fragmentação da bancada paranaense no Congresso Nacional. Na comparação, parlamentares gaúchos e nordestinos são muito mais famosos por jogar juntos em temas de interesse local, deixando de lado as picuinhas políticas entre si. Na última quarta-feira, porém, deputados federais e senadores do Paraná escreveram uma página diferente dessa história.

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Após dez anos engavetada, a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 544/2002, que cria mais quatro Tribunais Regionais Federais (TRFs) em Curitiba, Belo Horizonte, Manaus e Salvador, foi aprovada em primeiro turno pela Câmara. O projeto tem como pano de fundo a democratização do acesso à Justiça. O objetivo é diminuir o congestionamento dos atuais cinco TRFs, que funcionam no Distrito Federal, Pernambuco, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul (que atende Paraná e Santa Catarina) e São Paulo.

PR x RS

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A sugestão parece simples de ser defendida, mas não foi por acaso que o texto ficou uma década na geladeira. Há receios no Poder Executivo sobre os custos da ampliação dos tribunais. Além disso, muitos dos beneficiários da atual concentração de poder não aceitam perder espaço.

Essas "forças ocultas", até agora, sempre haviam sido mais hábeis do que a união das bancadas do Paraná, Amazonas, Bahia, Minas Gerais e de tantos outros estados atingidos colateralmente pela PEC. Na semana passada, elas se esforçaram de novo para evitar a votação da proposta, mas perderam. Em grande parte, graças à articulação dos paranaenses.

Recém-eleito vice-presidente da Câmara, André Vargas (PT) fez um acordo com o presidente Henrique Alves (PMDB-RN) para comandar a sessão. De cara, Vargas ajudou a driblar um requerimento do colega Sibá Machado (PT-AC) que pedia a retirada de pauta da proposta, em nome da liderança do PT. Após muita discussão e a intervenção de outros petistas paranaenses, o partido acabou liberando a bancada para votar como quisesse.

A retirada de pauta caiu por 330 votos a 74. Estava aberto o caminho para a aprovação do relatório do paranaense Eduardo Sciarra (PSD), um dos mais envolvidos na questão, que dependia da maioria qualificada de três quintos (308). Eis que o que era mais oculto se revelou: o PSB, a pedido da bancada gaúcha, apresentou um destaque para suprimir da PEC apenas a criação do TRF no Paraná.

Na prática, o Rio Grande do Sul não perde nada com a aprovação da proposta – aliás, ganha, já que fica com um tribunal só para cobrir o estado, enquanto o paranaense passa a abranger Santa Catarina e Rio Grande do Sul. O problema é que os gaúchos encamparam a tese de que a proposta é uma injustificável perda de prestígio para o estado e jogaram contra – nos bastidores do Congresso, especula-se que desde 2003 eles foram responsáveis por barrar a proposta.

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Nessa batalha, parlamentares paranaenses de diferentes partidos e épocas deram suas contribuições. Do PMDB, Osmar Serraglio e Sérgio Souza; do DEM, Abelardo Lupion; do PPS, Rubens Bueno e Sandro Alex; do PDT, Osmar Dias; do PSDB, Alvaro Dias e Luiz Carlos Hauly. Citar nomes chega a ser injusto, já que quase todos os congressistas do estado atuaram de alguma forma na questão.

Manobra derradeira

Todo esse esforço iria por água abaixo caso o destaque do PSB fosse aprovado. A proposição seria apreciada depois da votação do texto global da PEC e também seria necessário conseguir 308 votos para derrubá-la. O problema é que o quórum seria reduzido drasticamente, favorecendo a estratégia dos gaúchos.

Só depois de muita negociação com o líder do PSB, o gaúcho Beto Albuquerque, o destaque foi retirado. No resultado final, 347 deputados votaram a favor, 60 contra e houve seis abstenções. Dos 26 paranaenses presentes, todos votaram a favor da PEC, dos 24 gaúchos, 18 votaram contra. Agora, falta a apreciação em segundo turno, que deve ocorrer (com menos emoções) até a segunda quinzena de abril.

Embates entre estados como esse sempre fazem mal ao conceito de federação, mas há questões em que é preciso atuar com espírito estadual. Aos paranaenses, que sirva de lição para outros temas. Em investimentos federais, por exemplo, os gaúchos continuam anos-luz na frente dos paranaenses. Não é uma questão de cobiçar recursos dos vizinhos, mas de autodefesa e tratamento igualitário.

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