As manifestações de ontem contra a presidente Dilma Rousseff não conseguiram repetir o turbilhão de 15 de março, mas nem por isso significam uma estagnação do descontentamento com o governo. A avaliação da gestão petista continua muito abaixo do volume morto. Se relativamente mais pessoas preferiram ficar em casa, foi mais por medo de que as coisas fiquem piores na economia do que por um voto de confiança no PT.

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Em junho de 2013, quando aconteceram os protestos contra tudo e todos, havia uma sinalização clara de descontentamento quanto ao que os políticos faziam com o dinheiro do contribuinte. Não era apenas por 20 centavos. Era pela construção de estádios faraônicos para receber a Copa do Mundo, ao invés de investir os recursos em áreas que realmente necessitam. Naquele ano, contudo, a inflação acumulada foi de 5,91% (segundo o IPCA). Nos sete primeiros meses de 2015, bateu 6,83% (e vem muito mais pela frente). O índice anual de desemprego de 2013 fechou em 5,4%, ante 6,9% medidos em junho deste ano. A taxa básica de juros (Selic) estava em 8%, ante os atuais 14,25%. A economia cresceu 2,7%, enquanto a perspectiva para 2015 é de um PIB de -2%.

Nos corredores

Renan e a Fazenda

O senador Alvaro Dias (PSDB) provocou constrangimento ao presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), na apresentação da “Agenda Brasil” aos líderes partidários. Alvaro perguntou se a agenda tinha sido elaborada em parceria com técnicos do Ministério da Fazenda. Renan, que ainda esboça autonomia do governo, preferiu driblar a questão.

Souza e os Fundos

Relator da recém-criada CPI dos Fundos de Pensão, o deputado paranaense Sérgio Souza (PMDB) vai apresentar um plano de trabalho para a comissão amanhã. Também espera que sejam aprovados os primeiros requerimentos para chamar representantes de entidades representativas dos funcionários da Caixa, Banco do Brasil, Correios e Petrobras.

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Em resumo, as pessoas se manifestavam dentro de um cenário econômico muitíssimo mais favorável, sem fantasmas. E Dilma não era o único alvo. Havia uma porção de “inimigos”: prefeitos, governadores, parlamentares. Na sequência, 2014 começou com a Operação Lava Jato. A economia perdeu força. Os dois fatores, somados ao rescaldo da fúria popular de 2013, desaguaram na disputa eleitoral mais acirrada de todos os tempos. Dilma ganhou, mas o país permaneceu dividido. A Lava Jato avançou e desnudou o mais volumoso escândalo de corrupção da história brasileira. A economia degringolou de vez, milhões foram às ruas em 15 de março e 12 de abril.

Eis que os políticos de sempre acharam que era o momento de botar para quebrar no Congresso. Os presidentes da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), se aproveitaram da fragilidade de Dilma e criaram uma situação artificial para deixá-la ainda mais fraca – e, claro, se dar muito bem com isso. A situação virou quando ficou nítido que esse movimento seria sim fatal para o PT, mas levaria o país inteiro junto para o fundo do buraco, sem perspectiva de como sair de lá. Nove dias antes das manifestações de ontem, as federações das indústrias do Rio de Janeiro e São Paulo divulgaram nota em que defenderam que o “Brasil não pode se permitir mais irresponsabilidades fiscais [...] sob pena de colocar em risco a sobrevivência de milhares e milhares de empresas e milhões de empregos”. Nos dias seguintes, parlamentares começaram ser procurados por gigantes da iniciativa privada. O recado era claro: baixem a bola e construam a solução mais rápida possível para evitar o caos.

O PSDB, sempre entretido com a egolatria de seus caciques, não captou o recado. Coube a Renan desfazer o impasse e estender a mão a Dilma com a tal Agenda Brasil (que tem toda pinta de que não vai dar em nada, mas pelo menos é uma atitude propositiva). Isolou-se Eduardo Cunha. O governo Dilma saiu da UTI, mas não do hospital. No fundo, menos gente na rua talvez só sirva como um recado de desprezo mais elaborado que bater panela. Se não aproveitar o fôlego de governabilidade que ganhou, o arrefecimento de ontem vai ser como aquela maré baixa que antecede um tsunami.