A embalagem é vistosa: o orçamento impositivo aprovado em primeiro turno nesta semana no Senado parece um golpe fatal no fisiologismo. Para todos os efeitos daria cabo da negociação para o pagamento de emendas parlamentares, instrumento de barganha entre os Poderes Executivo e Legislativo.
O conteúdo, no entanto, não é tão benigno: dinheiro garantido (cerca de R$ 13 milhões per capita), pela nova regra deputados e senadores poderiam dar aos recursos o destino que melhor lhes conviesse sem que houvesse necessariamente conexão entre esses objetivos e as destinações elaboradas pelo Executivo, a quem cabe a prerrogativa de autorizar despesas.
É um caso típico em que a intenção de alguns pode ser muito boa, mas que dá larga margem à ação dos mal intencionados.
O governo resistiu o quanto pôde à pressão do Congresso, notadamente dos presidentes da Câmara e do Senado, Henrique Eduardo Alves e Renan Calheiros, que, além de ficarem em boa posição com seus pares, ainda aumentam o poder de fogo do PMDB (partido de ambos) junto ao Planalto.
Alves fez do pagamento obrigatório das emendas uma bandeira de campanha e Calheiros atesta que a medida acabará com o "toma lá dá cá". Digamos que o senador alagoano não seja o porta-voz mais confiável no quesito combate aos males do fisiologismo.
No primeiro semestre, pouco antes dos protestos de junho, quando chegou ao auge o clima de atrito entre Parlamento e Palácio, a proposta originalmente apresentada pelo então senador Antônio Carlos Magalhães em meio a um conflito com o então presidente Fernando Henrique Cardoso foi posta em pauta com franca oposição do governo.
"Somos contra de cara", disse a ministra-chefe da Casa Civil, Gleisi Hoffmann, numa conversa sobre esse e outros assuntos, entre os quais a mudança no rito de tramitação de medidas provisórias.
"Como trabalhar com uma receita estimada [o orçamento da União] e uma despesa imposta?", alertava ela para o risco de o Executivo de repente se ver obrigado a deixar de lado um programa de governo em decorrência do gasto com emendas.
"Elas são meritórias, mas não podem ser uma demanda que se sobreponha a uma política pública", argumentava, pedindo que houvesse uma discussão mais detalhada sobre as consequências econômicas e financeiras, sobre a responsabilidade e o objetivo dos gastos perante os órgãos de fiscalização e sobre a própria Constituição, que atribui a execução do orçamento ao, como diz o termo, Executivo.
A ministra afirmava que o governo esperava encontrar um ambiente mais permeável ao debate no Senado, integrado por vários ex-governadores "que têm consciência do problema que não requer uma solução simples".
Pois a força do PMDB fez com que o projeto passasse incólume pela Câmara. No Senado, foi amenizado com a introdução da obrigatoriedade da destinação de 50% das emendas para a área de saúde.
Aí há duas questões: o projeto, modificado no Senado, terá de voltar para a Câmara que, se seguir a posição anterior, vai tender a retirar essa vinculação, deixando a destinação do dinheiro das emendas ao arbítrio de suas excelências. Várias bem intencionadas, mas não todas.
Além disso, quem garante que a rubrica "saúde" atenda ao interesse da população? Sob esse guardachuva também cabe toda sorte de desvios.
Conhecedores dos caminhos das pedras, senadores como Jarbas Vasconcelos (ex-governador) e Aloysio Nunes Ferreira (ex-ministro de Estado) alertam que haverá aumento da "comercialização" de emendas, mais dificuldade para a fiscalização da destinação do dinheiro e não necessariamente o fim do é dando que se recebe.
Afinal, o que não falta ao Executivo são instrumentos para barganhar apoios no Legislativo.
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