Há duas maneiras de se analisar a resistência da senadora Marta Suplicy em mergulhar fundo na campanha de Fernando Haddad para a prefeitura de São Paulo. Uma trata da motivação da senadora para manter distância do processo e tem alcance local. Outra transcende a eleição municipal e diz respeito ao modo petista de atuar, com base no pressuposto de que exista uma visão santificada imutável em relação a Lula que por isso gozaria de infalibilidade papal.

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A desobediência civil da senadora Marta Suplicy obviamente não pode ser atribuída a "mágoa" decorrente do veto do ex-presidente Lula à candidatura dela a prefeita de São Paulo.

Quando dizem isso, os petistas simplificam a questão, põem as coisas no plano pessoal/emocional, desqualificam as razões políticas de Marta e fingem desconhecer a natureza do temperamento dela.

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A senadora não é de obedecer por obedecer, notadamente se estão em jogo sua carreira, seus interesses e seu patrimônio político.

O fato de não ter sido candidata está profissionalmente digerido Ela não tem veleidades a acreditar que Lula possa recuar até a data da convenção. Seria uma crença excessivamente distanciada da realidade.

Ocorre que Marta Suplicy não concorda com a condução da campanha e, se é assim tão festejada como peça fundamental, gostaria de ser ouvida. Como não é porque suas opiniões fogem ao roteiro escrito por Lula, faz gestos fortes.

E com eles atrai mais a atenção do partido do que se estivesse para cima e para baixo rodando a periferia de São Paulo com Haddad a tiracolo.

E quais os erros que ela aponta? Primeiro, considera que Lula não levou a sério a hipótese de José Serra ser o candidato do PSDB e resolver fazer uma experiência.

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Segundo, acha que de novo ele errou ao incentivar a aproximação com o prefeito Gilberto Kassab que, depois de provocar reação na base petista, ainda deixou Haddad no ora veja ao se aliar a Serra. Como, de resto, avisara que faria.

Em terceiro lugar, a senadora vê equívocos na política de alianças. Na opinião dela deveriam ter sido feitos investimentos mais pesados, por exemplo, na coalizão com o PMDB.

Concluindo, Marta não raciocina com a eficácia da transferência pura e simples de votos. Pensa que não há solução mágica, pois a identificação com o eleitorado depende do candidato.

Ou ele constrói essa identidade por meio de discurso e modo de ser, ou o eleitorado da periferia para quem, usando palavras de Haddad, "Marta é deusa", pode até ter uma reação contrária devido à sua preferida ter sido preterida.

Pelo conjunto da obra, ela prefere manter distância do processo até o início da propaganda eleitoral na televisão. Dessa, Marta já avisou que vai participar. Até lá, quanto mais o PT forçar a mão para ela obedecer, mais distante ficará dessa meta.

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Nesse quadro, declarações como as do presidente regional do partido, Edinho Silva, não ajudam.

Disse ele ontem em entrevista ao jornal O Estado de S. Paulo, vocalizando o estado de espírito petista: "A ausência [no ato de lançamento da candidatura de Fernando Haddad] materializa algo muito grave. Ela renuncia à sua liderança política no momento em que o PT mais precisa dela. Um erro gravíssimo".

Erro por quê? Se o gesto busca exatamente preservar e fortalecer a liderança, o dirigente só pode estar considerando como erro de enorme gravidade a recusa de fazer a vontade de Lula.

E aqui entramos na segunda maneira de se enxergar o episódio: à luz da servidão cega às artes e às manhas do presumivelmente infalível faro político do chefe.Marta age diferente, posiciona-se como um ponto fora da curva ao preservar independência e nesse aspecto talvez preste um grande serviço ao PT.

No lugar de simplesmente condená-la em reação impensada e automática – mo­­­vida mais a medo que a racionalidade –, quem sabe não faria muito bem ao PT aproveitar a oportunidade para rever o modo de operar em ritmo de sujeição total a uma só pessoa, cujas decisões ultimamente têm rendido dissabores a mancheias ao partido.

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