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O texto de hoje trata ligeiramente de muitos temas polêmicos sobre os quais é difícil de, em poucas linhas, serem aprofundados. Convido a todos para discuti-los via e-mail, ou na página da coluna no Facebook. Basta digitar O Coro da Multidão na barra de busca e seguir o link.
Enquanto ficamos nos ocupando com reivindicações setoriais de grupos organizados, piadas de mau gosto sobre etnias e gênero, políticos falastrões e agressores de repórteres, lá na Espanha dezenas de milhares de pessoas seguem unidas, numa luta pacífica ampla que diz respeito à toda sociedade espanhola, independentemente de raça ou de preferências sexuais, culturais políticas e religiosas. Óbvio que temos muito o que aprender com elas. Em meio a uma grave crise econômica, os espanhóis estão lutando por mudanças que mexem com as estruturas das instituições democráticas, que diretamente dizem respeito à toda a sociedade espanhola.
Os protestos do chamado Movimento 15-M, que começaram na semana passada, em 15 de maio, tem 40 pontos de reivindicações. Entre eles, o fim da aposentadoria de políticos, das listas eleitorais, do Senado, da falta de transparência no uso dos recursos partidários, da corrupção. Além de pedir o término de uma série de coisas que consideram nocivas para o ambiente democrático, os jovens espanhóis exigem políticas públicas que resgatem a igualdade entre os cidadãos e que combatam o desemprego entre os jovens. Pois, hoje, 40% deles estão desempregados, dada a recessão que atingiu o país, após a crise mundial de 2008.
Preparado meses antes, via redes sociais, o 15-M adquiriu contornos de desobediência civil, já que, na Espanha, é proibido realizar protestos em tempos eleitorais. Ontem, quase 50% dos espanhóis foram às urnas para votar nas eleições municipais. Os socialistas partido do presidente José Luis Rodríguez Zapatero amargaram uma derrota histórica. O Partido Popular ficou com 11 das 13 comunidades autônomas, o equilavente a estados. Conclusão: tempos de crise foram capazes de mobilizar politicamente os jovens espanhóis.
Já do lado de cá, sem crise econômica, ao menos por enquanto, vivenciamos um momento de discussões a respeito de direitos de grupos que tradicionalmente tem sido postos à margem. Temos tratado de questões polêmicas, mas necessárias, como, por exemplo, as que se referem à homoafetividade, à afrodescendência. São assuntos importantes e que tendem a consolidar direitos inscritos na Constituição Federal. Contudo, é preciso que se avance na mobilização da sociedade para temas que dizem respeito diretamente a todos. Do contrário, ficaremos cuidando apenas de interesses restritos a afinidades pessoais.
Ontem, quase ampliamos um debate de relevância geral (a liberdade de expressão) a partir de uma discussão setorial (a descriminalização da maconha). Com a proibição da Justiça paranaense, a Marcha da Maconha transmutou-se em Marcha da Liberdade de Expressão. A discussão da descriminalização é sempre acalorada, mas proibir manifestações de pensamento é violação clara à Constituição Federal. O ato realizado na Boca Maldita, em Curitiba, porém, pendeu mais para a liberdade de se expressar sobre a descriminalização, que sobre a liberdade de expressão como um todo. Mas, quem sabe, essa transmutação de temas tenha sido um primeiro estalo da necessidade de se tratar de questões mais amplas, que não digam respeito apenas a interesses diretamente pessoais. Até porque interesses de parcelas da sociedade e interesses políticos mais amplos não são excludentes.
Quem sabe possamos aprender alguma coisa com os espanhóis, que estão demonstrando ser bem mais sofisticados que nós no que se refere à cidadania. Da mesma forma que na Espanha, aqui também temos aposentadorias de políticos, corrupção e falta de transparência, mas ficamos todos entocados em casa. Quem sabe a experiência acumulada pelos diversos movimentos setoriais que vêm reivindicando seus direitos não possa ser usada por eles e por todos os outros cidadãos para atuações políticas mais amplas. Seria muito triste precisarmos de uma crise econômica e política para começarmos a nos mobilizar por mudanças que podem tornar a sociedade e as instituições melhores.
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