A série de reportagens Diários Secretos publicada pela Gazeta do Povo e pela RPC/TV, que teve seu início há cerca de um ano, foi o estopim de uma sucessão de fatos dos quais se tira lições valiosas a respeito do comportamento da sociedade, imprensa, órgãos fiscalizadores e políticos em tempos de crises das instituições.
O resumo dos fatos. Em 16 de março de 2010, a Gazeta do Povo e a RPC/TV começam a divulgar reportagens mostrando um esquema de desvio de dinheiro público na Assembleia Legislativa do Paraná por meio de funcionários fantasmas. O Ministério Público Estadual (MP), então, inicia uma investigação que leva, entre outras coisas, à prisão provisória de diretores da Assembleia e à denúncia dos envolvidos ao Poder Judiciário. Estimativas do MP indicam que em 16 anos, cerca de R$ 100 milhões foram desviados dos cofres públicos.
A sociedade, inconformada com a "cegueira branca" que acometeu os deputados estaduais por todos esses anos, organiza o Movimento Paraná que Queremos, capitaneado pela Seção Paraná da Ordem dos Advogados do Brasil, apoiado por mais de duzentas entidades e quase 100 mil pessoas. Esse movimento realiza um ato público em 8 de junho do ano passado, reunindo milhares de pessoas na boca maldita e exigindo medidas moralizadoras da Assembleia. A única das reivindicações atendidas foi a aprovação da proposta da Lei da Transparência, o que ocorre ainda em 2010.
O impacto da série Diários Secretos prossegue até os dias atuais. Conforme divulgou a Gazeta ontem, MP denunciou na sexta-feira passada o ex-presidente da Assembleia Legislativa Nelson Justus (DEM), o ex-primeiro-secretário Alexandre Curi (PMDB) e outras nove pessoas, sob a acusação de fraudar uma lista de servidores divulgada em 1.° de abril de 2009.
Esse é o quadro resumido dos fatos. Dele resultam lições importantes:
A imprensa exerce o papel de fiscalizadora do poder público de forma eficiente e complementar ao de outras instituições. Jornalistas podem facilmente se valer de métodos informais, como gravações e câmaras ocultas, diferente, dos órgãos fiscalizadores que seguem procedimentos formais, como pedido de informações, de busca e apreensão etc. A imprensa também é bastante ágil para apurar fatos de interesse público. Percebe rapidamente quando "há algo estranho no ar". Órgãos oficiais têm poder de reação mais lento e, de forma recorrente, instauram investigações após denúncias da imprensa. O caso dos Diários Secretos é clássico. Pelo menos desde 2007 a Gazeta vinha questionando o Legislativo a respeito de onde estavam os diários oficiais. As investigações do MP evoluíram somente após a publicação das reportagens.
Embora ocorra de modo episódico, a sociedade não perdeu a sua capacidade de mobilização. Nos bastidores, alguns deputados chegaram a fazer pouco caso do ato público realizado na Boca Maldita, minimizando seus efeitos práticos. Entretanto, a manifestação teve como principal conseqüência a aprovação da proposta de Lei da Transparência.
O poder de pressão da sociedade, entretanto, não é absoluto. Apesar da pressão da sociedade e da imprensa, a Lei da Transparência foi a única reivindicação atendida pelos parlamentares (em ano eleitoral, lembre-se). O afastamento da Mesa Diretora da Assembleia, por exemplo, outra exigência do movimento, não foi atendida. Boa parte dos deputados avaliou que o desgaste seria menor mantendo Nelson Justus na presidência, pois toda a atenção se concentraria no Democrata.
Denúncias da imprensa e manifestações de insatisfação da sociedade não estão correlacionadas à derrota eleitoral. Embora sejam alvo de investigação do MP, esse fato não influenciou significativamente os comportamento do eleitorado de Justus e Curi. Eles foram reconduzidos ao cargo.
A reeleição de parlamentares investigados foi vista por parte da sociedade com pessimismo, ao estilo "nunca nada muda, a população continua votando nos envolvidos em denúncias". Essa visão é um tanto fatalista. Mudanças culturais levam tempo para ocorrer e os Diários Secretos devem ser considerados como um marco. Pois, a partir da série é que a sociedade paranaense iniciou um novo movimento de atuação em tempos de crise, com parte dela se mobilizando em favor da moralização da Casa de Leis.
É assim que vai se aprendendo a ser cidadão no exercício do direito político de se manifestar contra a apropriação do bem comum. Como a melhor maneira de prever o futuro é construí-lo, será necessário empreender um esforço contínuo da sociedade, da imprensa, e da academia (que, aliás,anda um tanto retraída nesses tempos de ambiente democrático) para melhorar a qualidade de nossa cultura política.
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