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Quando o conhecimento mágico do mundo antigo estava para cair no esquecimento, os sábios do Egito não hesitaram – "esconderam" sua sabedoria no baralho de tarô. Questio­­­nados sobre o motivo disso, eles diziam: ao usar um jogo (ou um vício) como o portador do conhecimento, tinham certeza de que sua ciência jamais se perderia. Eles tinham em mente que atividades prazerosas ou lúdicas são bem-sucedidas em perpetuar ensinamentos. Essa é uma anedota clássica contada por esotéricos para explicar os mistérios do tarô, mas ela também serve como mote para uma estratégia pedagógica para uma educação voltada para valores, cidadania e criação de cultura política.

A minha convicção a esse respeito foi confirmada na semana que passou, quando tomei conhecimento que uma "espécie" de jogo de computador, desenvolvido pelo psicólogo Celso Garcia, será objeto de termo de cooperação entre a Confederação Na­­cional dos Municípios e o Programa das Nações Unidas para o Desen­­volvimento (PNUD), a fim de ser implantado em quatro cidades brasileiras com baixo índice de desenvolvimento humano. O jogo, que é aplicado atualmente para três mil alunos de Araucária e da Lapa, chama-se "Turma de Valor". Valendo-se de um ambiente interativo, se propõe a trabalhar dilemas éticos relativos a valores como honestidade, respeito responsabilidade, educação, amizade, organização, determinação e autoestima.

A cada rodada semanal, crianças de 9 a 11 anos fazem reflexões sobre um desses valores. O ambiente interativo e lúdico faz com que o envolvimento dos participantes não seja meramente intelectual e, por essa razão, acaba tendo um potencial transformador maior que as abordagens tradicionais, via leitura e discussões de textos. Isso porque a dinâmica do trabalho consiste não somente em realizar as atividades propostas por meio do jogo, mas envolve também debates com os professores a respeito das escolhas éticas feitas em cada rodada, assim como produção de material informativo pelos estudantes. "Já houve caso em que estudantes decidiram fazer poemas, que, em seguida compartilhavam com suas famílias. Eles produzem conteúdos próprios, de forma autônoma, com base nas situações que experimentadas no jogo", afirma Celso Garcia.

Segundo ele, o jogo parte da visão de que para tornar efetiva uma educação orientada a valores é necessário que eles sejam exercitados. "A absorção dos valores ocorre pela via da prática e não simplesmente pelo discurso." Assim, afirma Garcia, o Turma de Valor foge do discurso moral simplista – do certo e do errado – e trabalha a implicação prática que as escolhas que os participantes fazem durante jogo tem na vida deles e nas relações deles com a comunidade.

Por gerar um envolvimento de ordem não somente racional, mas também afetivo e emocional, a abordagem utilizada por Celso Garcia é um modelo interessante para o desenvolvimento de estratégias educacionais que fortaleçam comportamentos éticos desejáveis na vida em sociedade. Pode servir também para melhorar nossos péssimos níveis de cultura política.

Temos defeitos culturais graves que precisam ser superados. Nosso envolvimento contra práticas de corrupção e contra o uso de bens públicos como se fossem privados é irrisório. Con­­tinua­­mos a aceitar políticos de ficha suja em cargos de direção no Estado. Nossas escolhas de representantes, em grande parte, ainda não levam em consideração princípios éticos e de moralidade pública.

Da mesma forma que para os esotéricos o tarô perpetuou a sabedoria do mundo antigo, precisamos de jogos que proporcionem experiências lúdicas e prazerosas a fim de perpetuar uma nova cultura política. O envolvimento com as questões públicas pode ser prazeroso. Basta um meio eficaz. Quem sabe, divertindo-nos, venceremos.

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