No Brasil, façanhas como os ucranianos. Devastada pela guerra, a Ucrânia há dois anos vivia a “Revolução da Dignidade”, que levou à queda do corrupto e autocrata presidente Viktor Yanukovych. Desde então a expectativa era de melhora significativa do ambiente político, mas corrupção galopante e reformas incompletas conduziram o país a mais uma crise política de um sistema oligárquico, com a paralisia estatal, a ajuda externa congelada e a formação de um novo governo paradoxalmente formado pelos conhecidos nomes de sempre.
Há doze dias o primeiro-ministro ucraniano, Arseniy Yatseniuk, renunciou em meio a uma administração combalida por escândalos e reformas estagnadas. A despeito do clima tóxico de desespero que ameaça contaminar a sociedade, surgiu um movimento de ativistas que tem forçado o Estado a entrar nos eixos. O modelo de ativismo parece tão estruturado e efetivo que rendeu matéria no site da The Economist, publicada em 16 de abril, mostrando que embora quebrada e em crise, o país está sendo reconstruído por ativistas.
Dezenas de jovens passaram a construir instituições paralelas ao Estado para a elaboração de leis e fiscalização do regime ucraniano. Uma coalização formada por aproximadamente 50 organizações não governamentais elaborou um “Pacote de Reanimação das Reformas”, que encampa protestos, acompanha as reformas e a situação financeira do Estado, além de realizar reuniões semanais com membros do parlamento. Segundo a The Economist, essa “coligação” inclui duas dúzias de grupos com experiência em combate à corrupção, órgãos de comunicação social independentes e quase 40 jovens parlamentares que se autodenominam “euro-otimistas”.
Segundo o site, a principal batalha dessas organizações é efetivar o cumprimento da lei. Como a sociedade ucraniana não confia nas instituições de fiscalização do país – entre elas o Ministério Público – passou a construir instituições paralelas para forçar o exercício da justiça. Foi criado um Escritório Nacional Anti-Corrupção, que apura crimes de colarinho branco, e uma Agência Nacional para Prevenção da Corrupção, que monitora declarações de renda de funcionários de governo. A coalisão tenta, ainda, alterar as regras eleitorais para ter maior controle sobre o financiamento de campanhas e evitar que os partidos políticos sejam dominados pelas oligarquias – lá também existe o que aqui chamamos de caciques partidários.
Toda essa mobilização, custeada em partes por organismos de ajuda internacional, não dá garantias de que o movimento dos ativistas ucranianos irá ter sucesso. Mas, convenhamos, é bem melhor que esse “mimimi” de Facebook que tomou conta do Brasil. O descalabro aqui é de tal desordem, que tem levado à intolerância, à aceitação da corrupção (desde que beneficie meus aliados), e à total falta de compreensão de quem, apenas, pensa diferente.
E enquanto a sociedade vive distraída, entretida nas miragens das redes sociais, nos bastidores é arquitetada a absolvição do presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, no conselho de ética. É também planejada a destruição da Força Tarefa que investiga os desvios de recursos da Petrobras e de outras estatais, para livrar políticos suspeitos de estarem envolvidos. E o país continua paralisado, sem as reformas estruturais que poderia fazê-lo voltar a crescer.
O caso ucraniano, com as devidas adaptações para uso em país continental, serve como inspiração. Novos movimentos de ativistas não comprometidos com partidos políticos estão em franco processo de consolidação. Há também empresas sociais e organizações com foco em alto impacto dispostas a encarar o desafio da transformação. O que falta ainda é uma mentalidade de que todo esse movimento necessita não só de capital humano, mas, também de recursos financeiros para fazer a retomada acontecer. A comunidade precisa se apropriar do Estado e não mais deixar que a burocracia seja a principal beneficiária dele. No Brasil, façamos como os ucranianos.
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