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Outono árabe no Brasil? 1
Se as manifestações de junho foram compreendidas como um "levante" democrático de jovens que já não suportam mais desperdício de dinheiro público com privilégios, as de julho estão ameaçadas de ser lembradas pela violência urbana . Os episódios de quebradeira se tornaram frequentes e a intolerância começa a surgir.
Outono árabe no Brasil? 2
Na Marcha das Vadias, que ocorreu na zona sul do Rio de Janeiro no sábado passado, durante a visita do papa, um casal quebrou símbolos religiosos. As organizadoras da marcha emitiram nota lamentando o incidente, que, segundo elas, não estava programado pela organização. No mesmo dia, em um protesto que reuniu cerca de 300 pessoas em São Paulo, parte dos manifestantes depredou 13 bancos, a estação de metrô Trianon-Masp, uma loja de veículos, entre outras coisas.
Outono árabe no Brasil? 3
Os grupos de intolerantes e vândalos ainda são minoritários e não correspondem ao conjunto dos manifestantes. Mas a polêmica que causam deve servir de catalisador para uma mudança de valores. De nada vai adiantar reivindicar direitos se houver desprezo por outros direitos coletivos. Não se constrói uma democracia igualitária com atitudes antidemocráticas.
Outono árabe no Brasil? 4
Sem uma maior atenção por cultivar valores democráticos, os ativistas poderão seguir por um caminho semelhante ao que ocorreu no mundo árabe. Quando a primavera árabe eclodiu, imaginava-se que a população de nações como Egito e Tunísia tinham amadurecido e decidido dar um basta a governos ditatoriais. Na época, pensava-se que a democracia seria decorrência natural do uso das redes sociais. Dois anos e meio depois, a ilusão acabou. Militares do Egito depuseram um presidente eleito. E na Tunísia milhares de pessoas foram às ruas na semana passada para protestar contra o governo islamita, após ocorrer o segundo assassinato de opositores políticos do regime neste ano.
A realidade não engana. Protestar funciona e pode melhorar a transparência pública. O que está acontecendo nas manifestações do Rio de Janeiro serve de alerta tanto para agentes públicos quanto para ativistas.
Na tentativa de conter o vandalismo, o governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), baixou um decreto na quarta-feira da semana passada criando a Comissão Especial de Investigação de Atos de Vandalismo em Manifestações Públicas (CEIV). No artigo 3.º, parágrafo único, o decreto determinava que operadoras de telefonia e provedores de internet deveriam, no prazo de 24 horas, atender a pedidos de informação. Juristas consideram o decreto ilegal. O procurador-geral de Justiça do Rio, Marfan Vieira, diz que a interpretação é equivocada, que nunca a comissão pensou em quebrar sigilo, que o decreto está em harmonia com o ordenamento jurídico.
Cabral tem todo o direito de combater o vandalismo em manifestações. Não há fim justificável para a depredação de patrimônio público ou privado. Mas Cabral tem conduzido muito mal não só as negociações com os manifestantes, como tem protagonizado episódios que abalam a sua imagem fotos de festa em Paris dançando com guardanapo de pano na cabeça; uso de helicóptero do estado pela família; gastos públicos considerados excessivos para a Copa e a Olimpíada.
Esses fatos não passaram em branco aos manifestantes. Na quarta-feira, eles se reuniram com o procurador-geral de Justiça Marfan Vieira que se comprometeu a divulgar na internet informações atualizadas sobre investigações que envolvem o governo estadual, em especial as que tratam do uso do helicóptero do governo por parentes de Cabral e de gastos públicos em obras dos eventos esportivos. A transparência pública está sendo uma consequência de protestos.
Enquanto os cariocas discutem a divulgação de dados atualizados sobre investigações da administração pública, a discussão no Paraná gira em torno da divulgação de salários de servidores públicos. Aqui ainda há quem acredite que isso fere o direito à privacidade, apesar de o Supremo Tribunal Federal ter decidido administrativamente publicar a remuneração de todos os ocupantes de cargos públicos daquela corte. Fosse inconstitucional, o órgão máximo do Poder Judiciário publicaria as remunerações? Como se vê, a distância que separa o Paraná do Rio de Janeiro vai muito além dos 1.200 quilômetros.
Os cariocas legam-nos seu aprendizado. Em algum momento, privilégios ilegais ou imorais, cultura do sigilo e demonstrações públicas de luxos e excessos podem romper a barreira do tolerável e se tornar objeto de protesto incessante.