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A limitação das redes 1

Primeiro surgiram os revolucionários do Facebook, agora é a vez dos militantes. Nestas eleições municipais, os militantes compartilharam uma infinidade de imagens criticando o candidato contra quem não querem ver eleito. Em Curitiba, se eram das linhas de Gustavo Fruet (PDT) defenestravam Ratinho Jr. (PSC) com mensagens preconceituosas. Se estavam do lado de Ratinho Jr., partiam para o ataque com acusações de aliado de mensaleiros do PT. As redes não serviram para a discussão de propostas com base em dados e análises inteligentes.

A limitação das redes 2

A oferta de opiniões políticas nunca foi tão volumosa, nem tão superficial como agora. A quem isso interessa? Certamente não aos cidadãos que gostariam que os problemas da cidade fossem debatidos com profundidade. As redes poderiam ter sido instrumento de democracia e de debate sobre a cidade, mas serviram em grande parte para a produção de simplificações, propaganda e conteúdo difamatório. Quem sabe, nas próximas eleições, nós cidadãos estejamos mais maduros para fazer um uso diferente. Mas as eleições deste ano certamente serão lembradas pela limitada contribuição das redes sociais no debate democrático.

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Uma vez por ano, em agosto, o imperador Caio Otaviano Augusto vestia-se de mendigo e sentava em frente ao mercado público de Roma para pedir esmola. Ele fazia isso para entender a cidade e seus habitantes. Acreditava também que, assim, os deuses não conseguiam ouvir seus pensamentos nem antecipar suas ações. Era uma forma de obter conhecimentos que jamais teria se ficasse sentado no trono. Esmolando um dia como mendigo, o imperador evitava os conselhos de funcionários aduladores, mais interessados em manter a cabeça grudada no pescoço do que prestar um bom serviço à cidade.

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Isso tudo, obviamente, é lenda. Faz parte da fábula moderna contada por Neil Gaiman em Agosto, uma narrativa em quadrinhos integrante da série Sandman. A história oficial traça um perfil diferente de Caio Otaviano. Sobrinho neto de Júlio César, ele é conhecido por ser o primeiro imperador romano. Nasceu em 63 a. C., recebeu o título de imperador em 29 a.C. e reinou como único soberano de Roma por 44 anos. Foi o reinado mais longo que o império romano viu florescer. A administração de Caio Otaviano é lembrada pelos historiadores como uma das épocas mais férteis da Roma antiga.

Agora junte a fábula com a realidade e você terá um bom conselho – estar corporalmente próximo do povo é um exercício de sabedoria. Não é necessário ser mendigo por um dia. Basta andar pelas calçadas. O governante que não anda pelas ruas sabe muito pouco do que acontece com seu povo e jamais vai conseguir se antecipar aos problemas da cidade. Em vez do passeio em carros velozes, os dirigentes políticos poderiam simplesmente caminhar, observar e refletir. De manhã. De tarde. E de noite.

A experiência direta da realidade das ruas permite um conhecimento diferente das estatísticas e teorias. Dá uma dimensão humana a problemas que muitas vezes são tratados como cifras e conceitos abstratos.

Ao se aventurar pelas ruas do centro histórico de Curitiba, por exemplo, os nossos governantes verão dependentes químicos a qualquer hora do dia e da noite. Fizessem isso uma única vez, certamente concordariam que é uma experiência incômoda chegar em frente ao prédio em que você mora e praticamente ter de pedir licença a um cidadão que está sentado do lado da porta de entrada, com um cachimbo improvisado nas mãos fumando crack. A situação deixa o cidadão mais constrangido que você. Porém, passado o susto, ele prossegue no processo de autodestruição. E você não esquece mais da cena.

Quando um fato como esse ocorre, o crack deixa de ser um problema que você só vê nas notícias de jornal. Torna-se parte do seu cotidiano. Para pessoas responsáveis, a vivência cotidiana dos problemas da cidade tem um efeito transformador. Somos todos responsáveis em tornar a cidade um lugar melhor. Esse mesmo espírito deve conduzir os governantes.

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Valeria a pena, no próximo ano, estimular os prefeitos e vereadores eleitos a deixar as confortáveis poltronas de seus gabinetes e sair às ruas. Não para que façam demagogia. Mas para que se envolvam com os problemas dos cidadãos, reflitam sobre a cidade e se comprometam integralmente com os compromissos que assumiram. A sabedoria do imperador pode fazer as cidades florescer.